Esgotam-se os caminhos para a paz no Sudão do Sul

O conflito que estalou no final de 2013 já fez dezenas de milhares de mortos e desalojou dois milhões de pessoas, que fogem ao terror dos grupos armados. As várias negociações terminam em impasse e os líderes nem falam directamente.

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A fome pode atingir 3,9 milhões de pessoas no Sudão do Sul este ano Tony Karumba / AFP

Durou pouco mais de dois anos a curta janela de paz que o Sudão do Sul viveu entre a independência, ganha depois de duas décadas de guerra com o vizinho do Norte, e a nova guerra civil que há mais de um ano destrói o jovem país.

Simon K. tinha 20 anos quando foi capturado por um grupo de homens armados e levado para uma prisão onde já estavam centenas de outros jovens. Durante dois dias, tudo aquilo que Simon via era o cano das metralhadoras através das grades que disparavam indiscriminadamente sobre os presos. Algumas semanas depois, quando falou com o Guardian, o jovem recordava-se sobretudo do cheiro dos cadáveres por baixo dos quais se escondeu e que lhe salvaram a vida.

O episódio descrito pelo jornal britânico ocorreu em Dezembro de 2013, poucas semanas depois de ter estalado uma sangrenta luta pelo poder no Sudão do Sul. De então para cá, somam-se os massacres de populações inteiras, as torturas de presos detidos ilegalmente e os atentados à bomba. Na lista de atrocidades cometidas nos últimos meses figura o recrutamento forçado de jovens para integrarem forças militares, denunciado recentemente pela UNICEF. Estima-se que sejam 12 mil as crianças a lutarem em conflitos no Sudão e no Sudão do Sul.

O confronto que paralisa o Sudão do Sul é bem mais antigo que a independência alcançada em 2011. Durante a guerra contra o Sudão (1983-2005), os rebeldes que lutavam pela autodeterminação dos territórios do Sul eram apresentados como uma entidade unida contra o regime de Cartum. Na verdade, já antes do processo de paz iniciado em 2005 havia conflitos internos entre facções. Com a conquista da independência, o “prémio” passou a ser o poder sobre um país com grandes reservas petrolíferas.

De velada, essa luta passou para as ruas no final de 2013 quando o Presidente, Salva Kiir, acusou o seu ex-vice e antigo companheiro de armas, Riek Machar, de ter tentado liderar um golpe de Estado. O rastilho acendeu-se rapidamente e a violência assumiu contornos étnicos, opondo a etnia dinka – a que pertence o Presidente e que domina o aparelho político-militar – aos nuer, liderados por Machar. Mas mesmo estas divisões acabam por ser simplistas num país de 11 milhões de habitantes com mais de 200 tribos.

É difícil obter estatísticas fiáveis, mas várias fontes apontam para entre dez e 50 mil mortos e dois milhões de refugiados internos e externos. Para além dos combates, a fome é outra das ameaças que pendem sobre os sul-sudaneses – a ONU estima que 3,9 milhões de pessoas possam vir a sofrer de escassez alimentar este ano.

Entre o Governo que distribui armas pela população para autodefesa e os massacres do “exército branco” nuer, as leis da guerra são ignoradas de parte a parte. A posição geográfica do Sudão do Sul implica também uma grande atenção por parte dos actores regionais. Desde logo o Sudão, que com a independência perdeu a maior parte das reservas petrolíferas, mas que partilha as receitas com o vizinho do Sul por fazer a ligação com o mar para ser exportado. Pouco tempo depois dos primeiros confrontos, o Uganda enviou uma força militar para apoiar o exército leal ao Presidente.

Insucesso negocial

Estas preocupações regionais foram respondidas com uma intensificação dos esforços diplomáticos para resolver o conflito. Esta quinta-feira termina o prazo para que seja alcançado um acordo entre o Governo e os rebeldes e as perspectivas não eram animadoras. Na capital etíope, Addis Abeba, as posições de Salva Kiir e de Riek Machar mantêm-se irredutíveis e o espaço para negociação diminui a cada dia que passa.

Para aumentar a pressão sobre as duas partes, o Conselho de Segurança da ONU aprovou esta semana uma resolução apresentada por Washington que abre caminho para a aplicação de sanções contra os dirigentes que têm impedido o progresso das negociações. O apelo deixado pelos Estados Unidos reflecte o fim da paciência dos mediadores internacionais que antecipam o falhanço do sétimo acordo para um cessar-fogo em catorze meses. “Os líderes políticos falharam repetidamente em pôr de lado as suas agendas políticas e económicas” para que fosse encontrada uma solução, disse recentemente à AFP um diplomata norte-americano. Entre Kiir e Machar há dificuldades até em sentá-los à mesma mesa, algo que só aconteceu esta terça-feira.

A ameaça das sanções tem encontrado, porém, alguns críticos mesmo entre a Administração norte-americana. De acordo com a Foreign Policy, a conselheira da Casa Branca para a Segurança Nacional, Susan Rice, chegou a opor-se à ideia. Também o embaixador do Sudão do Sul na ONU, Francis Deng, critica a decisão, que diz apenas contribuir para “agravar a situação”.

A forma como as próprias negociações estão a ser conduzidas também tem merecido críticas de alguns observadores. Luka Biong Deng, professor na Universidade de Harvard, escrevia no Sudan Tribune que os mediadores regionais estão “impacientes em concluir [o acordo de] paz mesmo à custa da qualidade dessa paz”. O problema, continua, é que “aparentemente, Sudão, Quénia e Etiópia têm interesses estratégicos e económicos no oleoduto alternativo para o petróleo do Sudão do Sul”.

Por outro lado, há também a pressão norte-americana. A independência do Sudão do Sul foi amplamente saudada pela comunidade internacional e é ainda hoje considerada como um sucesso da política externa norte-americana. Para proteger esse legado, Washington não tem poupado esforços para apoiar o desenvolvimento da nova nação – entre 2013 e 2014 os EUA enviaram quase 411 milhões de dólares para o país e este ano devem contribuir com mais de 277 milhões.

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