Conversa fiada

O realizador de Amor Cão e Babel afoga o que podia ter sido um excelente filme numa demonstração algo fútil de virtuosismo formal.

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Trailer Birdman

O mexicano Alejandro González Iñárritu tornou-se, primeiro, num dos pilares de uma “renascença” do cinema local que catapultou para o êxito global Alfonso Cuarón ou Guillermo del Toro, com a força de Amor Cão (2000).

Depois, tornou-se na face pública de um certo cinema social de prestígio aclamado pelo público e pelos Óscares, equivalente contemporâneo das velhas problem pictures de Stanley Kramer, com filmes como Babel (2006) e Biutiful (2009). Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância), sinal da sua “aceitação” definitiva pelo business americano, parece fugir a esse esquema ao mesmo que o reforça. Nesta história de bastidores sobre um actor em busca do seu reconhecimento como artista, procurando deixar para trás uma carreira como actor de “super-heróis” e reinventando-se como actor de palco em Nova Iorque, Iñárritu está a falar da necessidade de encontrar um lugar numa sociedade que dá cada vez menos importância ao individualismo e parece querer tudo certinho e arrumadinho.

Até aqui tudo bem: o homem é um senhor director de actores e reuniu aqui um elenco de absoluto luxo, com um Michael Keaton imperial à cabeça. O problema está na forma que encontrou para contar a sua história, propondo Birdman como um filme em constante movimento dentro da cabeça de Riggan Thomson/Keaton. As duas horas correm num (falso) plano-sequência contínuo, com a câmara sempre a mexer-se pelo labirinto dos corredores do teatro e das ruas de Nova Iorque, criando um estado/espaço de fuga constante – ao mesmo tempo manifestação da insegurança de Riggan e demonstração de virtuosismo formal que se torna rapidamente excessiva e cansativa. Sempre que a câmara abranda ou mesmo pára, e dá espaço para os actores representarem sem terem de estar atentos à marcação de movimento – como na fabulosa cena do telhado com Edward Norton e Emma Stone - Birdman abre portas para a inteligente exploração da insegurança emocional que poderia ter sido.

Mas é sol de pouca dura. Pouco depois Iñárritu volta a pôr a câmara a voltear interminavelmente ao som da percussão de Antonio Sánchez, resultando num objecto esquizofrénico e tão singularmente contraditório como a sua personagem principal. Birdman dá de bandeja aos actores personagens em ouro para logo a seguir os impedir de brilhar, afogados no virtuosismo de uma conceptualização formal que se esgota muito mais depressa do que o realizador parece pensar. É um triunfo conceptual que desbarata praticamente todos os muitos trunfos que tinha na mão; mas a câmara em movimento dá tanto nas vistas que há muito quem embarque na sua conversa fiada.

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