Palestina pede adesão ao Tribunal Penal Internacional

Pedido de adesão surge na sequência do chumbo pelo Conselho de Segurança da ONU de uma resolução que propunha fim da ocupação israelita no prazo de três anos.

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Mahmoud Abbas assinou pedido de adesão da Palestina ao Tribunal Penal Internacional Mohamad Torokman / Reuters

O presidente palestiniano, Mahmoud Abbas, assinou esta quarta-feira o pedido de adesão ao Tribunal Penal Internacional para poder levar à justiça os “crimes de guerra” cometidos por Israel. Para além do Estatuto de Roma, Abbas assinou várias convenções internacionais durante uma reunião da cúpula da Autoridade Palestiniana em Ramallah. A decisão surge um dia depois de o Conselho de Segurança da ONU ter rejeitado uma resolução propunha um prazo de três anos para a retirada de Israel dos territórios palestinianos ocupados.

A adesão ao TPI era já uma pretensão antiga da Palestina, à qual tanto Israel como os Estados Unidos se opõem fortemente – os dois países assinaram, mas não ratificaram o Estatuto de Roma. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reagiu à decisão, avisando que "quem tem mais a perder [com a adesão] é a Autoridade Palestiniana, que formou um governo com o Hamas". A adesão ao tribunal de Haia, que deverá ser concluída durante os próximos dois meses, permite trazer à justiça crimes cometidos no contexto do conflito israelo-palestiniano.

Em 2012, um pedido de adesão da Palestina foi rejeitado pelo TPI, com a justificação de que apenas um Estado reconhecido pela ONU pode ser elegível para assinar o Estatuto de Roma. Com o novo estatuto de "não-membro observador", a Palestina goza de um nível de reconhecimento que lhe pode abrir as portas do Tribunal de Haia.

Na terça-feira à noite, o Conselho de Segurança das Nações Unidas chumbou uma resolução que propunha um prazo de três anos para a retirada de Israel dos territórios palestinianos ocupados. A proposta, apresentada pela Jordânia em nome da Palestina, recolheu oito votos favoráveis, dois contra e cinco abstenções.

O falhanço do projecto de resolução – que chegou à mesa do Conselho de Segurança há duas semanas – era já aguardado. Mesmo que a proposta alcançasse o limiar mínimo de nove votos a favor para ser adoptada, o veto dos Estados Unidos na qualidade de membro permanente estaria sempre garantido.

A embaixadora norte-americana na ONU, Samantha Power, considerou o texto da resolução “profundamente desequilibrado” e apontou a presença de “prazos não construtivos que não levam em atenção as preocupações de segurança legítimas de Israel”. “Esta resolução abre espaço a mais divisões, não a um compromisso”, acrescentou.

Ainda assim, a posição dos EUA também serviu de alerta para Israel. “O voto de hoje [terça-feira] não deve ser interpretado como uma vitória de um status quo insustentável”, afirmou Power. No final o aviso foi deixado aos dois lados para que não ponham em causa as possibilidades de um acordo de paz, seja através do “desenvolvimento de colonatos ou de resoluções desequilibradas”.

A resolução apresentada pela Jordânia e subscrita por 22 países árabes, previa “uma retirada, completa e por etapas, das forças de segurança israelitas” dos territórios ocupados na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, “num prazo razoável que não deve ultrapassar o fim do ano de 2017”.

O outro ponto da proposta pedia o início de um processo de paz no prazo de 12 meses após a aprovação do texto, que possibilite a solução de “dois Estados independentes, democráticos e prósperos: Israel e um Estado palestiniano viável e contínuo”.

Ao chumbo norte-americano juntou-se o da Austrália. Os países europeus, que tradicionalmente têm uma posição mais próxima dos interesses palestinianos, apresentaram divisões. A Rússia, a França e o Luxemburgo votaram a favor – aos quais se juntaram a própria Jordânia, a China, a Argentina, o Chade e o Chile – enquanto o Reino Unido e a Lituânia se abstiveram, tal como a Nigéria, a Coreia do Sul e o Ruanda.

EUA evitaram usar veto

Inicialmente, os Estados Unidos preferiam o adiamento da votação da proposta de resolução para depois das eleições antecipadas em Israel marcadas para Março, de forma a não inflamar os ânimos no país. Porém, escreve o New York Times, que após uma visita do secretário de Estado, John Kerry, à Europa este mês, Washington percebeu que pouco havia a fazer para alcançar o adiamento.

A partir daí, o grande objectivo passou a ser o de conseguir votar a resolução ainda em 2014, antes da renovação dos membros não-permanentes do Conselho de Segurança. A Coreia do Sul, o Ruanda e a Austrália vão dar lugar a dois Estados que previsivelmente votariam a favor – Angola e a Malásia – e à Nova Zelândia que, no máximo, se poderia abster, escreve o diário israelita Haaretz.

A diplomacia norte-americana usou as últimas semanas para convencer os membros mais próximos a não votar a favor da resolução, para que os EUA não tivessem que usar o poder de veto. Uma das maiores surpresas foi a abstenção da Nigéria, um país maioritariamente muçulmano.

Em Israel, o desfecho da votação foi bem acolhido, embora com críticas ao apoio europeu à resolução. “O desrespeito palestiniano para com os países mais importantes da comunidade internacional, particularmente os EUA, tem origem no apoio que recebem de certos países europeus”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman.

Esta quarta-feira o Governo israelita decidiu convocar o embaixador francês para explicar o voto favorável francês ao projecto de resolução.

O titular da Defesa, Moshe Ya’alon, criticou a Autoridade Palestiniana por continuar “a provar que não tem qualquer interesse em negociações directas, mas sim em provocações e actos continuados dirigidos a deslegitimar Israel”.

Entre a diplomacia palestiniana, o sentimento era de alguma frustração, embora os esforços de reconhecimento internacional sejam para manter. O observador palestiniano na ONU, Riyad Mansour, disse ser tempo de acabar com a “repugnante ocupação israelita”, criticou a paralisia do Conselho de Segurança e garantiu que a Autoridade Palestiniana irá “ponderar os próximos passos”.

A decisão enquadra-se na ofensiva diplomática palestiniana iniciada em 2011, quando Abbas pediu à ONU o reconhecimento da Palestina.

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