Crato recebeu desde Setembro 41 queixas contra praxes abusivas

O caso do Meco foi há um ano. Depois da morte de seis estudantes, o Governo lançou um endereço para denunciar situações abusivas de praxe académica. E os dirigentes das instituições ficaram mais atentos. Há quem diga que as actividades de praxe ficaram "mais controladas".

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Uma resolução apresentada pela maioria no Parlamento fala em “práticas degradantes e atentatórias” CLÁUDIA ANDRADE
No início do ano o MEC dirigiu-se directamente às instituições de ensino, lembrando-lhes que podiam, “em última análise”, ser “civilmente responsáveis por não limitarem e proibirem” comportamentos “violadores da integridade e dignidade humana”
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Terá o caso do Meco mudado a face da praxe? Há quem considere que sim Sérgio Azenha

O Ministério da Educação e da Ciência (MEC) recebeu, desde o início do ano lectivo, 74 exposições no âmbito de uma campanha contra a violência física e psicológica na praxe académica. A maioria (41) são denúncias que “estão a ser/foram acompanhadas junto das reitorias/presidências das instituições de ensino superior”.

Há ainda “33 que não se enquadram no âmbito da campanha”, faz saber a tutela em resposta ao PÚBLICO. Estão relacionadas, por exemplo, com o uso do traje académico.

A campanha foi lançada em Setembro, na ressaca da morte de seis estudantes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, no Meco, faz agora um ano. Incluía a disponibilização de um endereço electrónico — o praxesabusivas@mec.gov.pt. E o ministério prometia prestar apoio a quem relatasse casos de violência na recepção aos caloiros. O que aconteceu?

O gabinete de comunicação de Nuno Crato não presta muito mais informação. Não diz que tipo de casos estão em causa, nem em que escolas ou zonas do país aconteceram. Explicação: “Optámos por não revelar nada sobre o conteúdo ou outra informação das mensagens recebidas, para não ferir a confiança que alunos e instituições têm depositado em nós ao denunciar as situações e ao contribuírem para a resolução das situações apresentadas.” Todos os casos “foram ou estão a ser resolvidos”. Mas fica por saber como.

O PÚBLICO contactou uma amostra de oito instituições universitárias e 10 politécnicas, públicas e privadas. Perguntámos se foram das que receberam queixas. E, se sim, o que fizeram com elas. Dez responderam dentro do prazo indicado (dois dias). Oito não.

Apenas o Instituto Politécnico de Lisboa (IPL) disse que “o MEC recebeu uma denúncia relatando uma hipotética situação de praxe abusiva ocorrida na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa”, que integra o IPL.

Contactados os alunos “responsáveis das praxes”, estes “informaram o Instituto que as informações relatadas não correspondem à verdade”. Sobre se a queixosa foi ouvida também, a informação enviada ao PÚBLICO por Filipa Barata, dos serviços da presidência do IPL, nada diz. Mas acrescenta-se: “Este instituto não recebeu nenhuma outra queixa relacionada com praxes.”

A praxe depois do Meco
As outras instituições que responderam disseram que não tiveram que lidar, ao longo deste ano lectivo, com qualquer denúncia, nem enviada pelo ministério, nem entregue directamente nos serviços. É essa a resposta das universidades de Lisboa, Porto e Católica Portuguesa. “Nos últimos três anos nunca foi registada oficialmente qualquer tipo de queixa”, precisou Raul Santos, do gabinete de comunicação da reitoria do Porto.

A Universidade de Coimbra também informou que não houve casos. Em relação ao passado significa, apesar de tudo, alguma evolução: “Em anos anteriores [foram] reportados um ou dois”, lê-se numa nota enviada ao PÚBLICO. Acrescenta-se: “Considerando que a melhor intervenção é a prevenção, o senhor reitor e o conselho de veteranos têm sublinhado o carácter inclusivo e de acolhimento que a praxe deve comportar e a liberdade que qualquer aluno tem para a ela aderir ou não, sem que a não adesão à praxe ou a alguma actividade praxística traga quaisquer consequências restritivas ao nível da sua participação em actividades estudantis, como a queima das fitas, ou uso de traje académico.”

Terá o caso do Meco mudado a face da praxe? Há quem considere que sim. “Podemos afirmar que as praxes foram, este ano, muito mais calmas e controladas. Os acontecimentos do Meco e as medidas de segurança e sensibilização tomadas pelas instituições e pelo MEC resultaram, a nosso ver, positivamente”, diz o vice-presidente do Politécnico de Portalegre, Albano Silva.

Houve zero queixas também no Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, no Monte da Caparica, e no Politécnico de Setúbal, onde o presidente reuniu com a associação académica no arranque do ano. Objectivo: deixar claras as regras e os limites.

“Não houve qualquer reencaminhamento de denúncias por parte da tutela nem recebemos directamente, este ano, qualquer queixa relacionada com praxe”, diz também Pedro Carvalho, administrador do Politécnico de Santarém. Este instituto assistiu, em 2002, a uma praxe que acabaria por fazer história: uma aluna do 1.º ano de Engenharia Alimentar da Escola Superior Agrária denunciou os castigos físicos a que fora sujeita e que envolveram excrementos de porco. Em 2008, o tribunal condenaria sete dos praxistas pelo crime de ofensa à integridade física qualificada.

Dirigentes mais atentos
Na altura do caso de Santarém muito se falou de praxe. E muito se debateu se esta deveria ou não ser proibida. Depois do que se passou a 15 de Dezembro do ano passado, o tema voltou ao Parlamento. Foi a 15 de Dezembro que seis alunos da Lusófona morreram — pertenciam à Comissão Oficial de Praxes Académicas da universidade, tinham ido passar um fim-de-semana numa casa alugada perto do Meco, onde foram vistos em actividades de praxe, numa visita nocturna à praia, foram arrastados pelo mar, só tendo sobrevivido o chamado dux, o aluno que na hierarquia de praxe é considerado “superior”. O processo ainda corre (ver texto ao lado).

Em Fevereiro, o Parlamento aprovou uma resolução apresentada pelo PSD e pelo CDS-PP que propunha ao Governo a realização de uma campanha de “tolerância zero à praxe violenta e abusiva”.

“Não há, certamente, dúvidas de que se têm verificado, sob o pretexto da integração no meio estudantil e académico, fenómenos que vão desde a simples falta de bom senso e educação ao desrespeito pela urbanidade, pelas regras básicas da sociedade e, no limite, a práticas degradantes e atentatórias da dignidade humana”, lia-se no preâmbulo da iniciativa. O Ministério da Educação avançou. Dirigiu-se directamente às instituições de ensino, lembrando-lhes que podiam, “em última análise”, ser “civilmente responsáveis por não limitarem e proibirem” comportamentos “violadores da integridade e dignidade humana”.

Na Universidade Lusíada — que no ano passado foi condenada a pagar uma indemnização de 91.350 euros aos pais de um aluno do pólo de Famalicão que morreu após ter sido submetido a uma praxe em Outubro de 2001 — os “dissabores do passado” já tinham dado origem a um “enquadramento atento”, explica Ricardo Leite Pinto, vice-presidente da instituição com o pelouro dos alunos. “As comissões de praxe ficam sob tutela da associação académica, que articula directamente comigo tudo o que tem a ver com integração de alunos.” Além disso, há “ordens muito rigorosas” para que as praxes sejam ao ar livre, “à vista de todos”. E ele próprio reúne com os delegados de turmas de todos os cursos e com as comissões de praxe para lhes lembrar que “quem não quiser fazer parte da praxe, não faz, é um direito” e que ninguém pode ser posto de parte por isso.

Depois do caso do Meco, voltaram a insistir “para que a praxe seja mais social, de voluntariado e não um exercício de autoritarismo absurdo e desprezível”.

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