Há 35,8 milhões de escravos em todo o mundo

Com as mesmas estimativas de 2013, Portugal ocupa o décimo lugar entre 167 dos países com menor índice de escravatura, e é o 11º entre os europeus. O Brasil é um dos países elogiados pelo combate ao trabalho forçado e escravo no Índice Global da Escravatura 2014.

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Rapaz que trabalha numa fábrica de tijolos no Paquistão - um local onde costuma haver trabalhadores num regime de escravidão ARIF ALI/AFP

Depois de no ano passado ter estimado a existência de 29 milhões de escravos modernos em todo o mundo, o Índice Global da Escravatura 2014 apresentou esta segunda-feira novas estatísticas: são 35, 8 milhões.

Os novos números representam uma subida de 20% em relação ao primeiro relatório de sempre sobre a escravatura, divulgado em 2013, mas não indicam, porém, uma subida do número de escravos, sublinha a Walk Free Foundation, uma instituição que luta pela erradicação da escravatura, e autora do relatório. Esta “subida” deve-se a uma melhoria na precisão e no rigor da metodologia usada e no facto de estarem agora a ser revelados casos de escravatura moderna em locais onde estava escondida. O índice de 2014 inclui mais cinco países do que o anterior: Taiwan, Sudão do Sul, Coreia do Norte, Kosovo e Chipre.  

O termo escravatura moderna é usado de diferentes maneiras em diferentes países, e é inclusivamente alvo de debates. Para o relatório, escravatura moderna implica o controlo ou posse de uma pessoa, retirando-lhe a sua liberdade individual, com intenção de a explorar. Inclui tráfico de pessoas e trabalho forçado.  

Com os mesmos dados do ano passado, 1400 escravos, Portugal ocupa o décimo lugar entre 167 dos países com menor índice de escravatura, e é o 11º da Europa.  Cinco países - Índia, China, Paquistão, Uzbequistão e Rússia - concentram 61% do total de escravos estimados. O pior país em termos de prevalência da escravatura é, como em 2013, a Mauritânia, com 4% da população em situação de escravatura, mas em termos absolutos é a Índia que bate os recordes com 14,3 milhões estimados. O Uzbequistão vem a seguir à Mauritânia, algo que se deve a uma imposição de trabalho forçado do próprio governo na apanha de algodão, e que está documentado por várias organizações, dizem no relatório. 

O Qatar foi um dos países que “subiu” no ranking entrando no top ten dos países com maiores índices de escravatura: tem agora 1,4% da população em situação de escravatura (e os autores acham que esta é uma estimativa conservadora).  A presença no top ten do Paquistão, República Democrática do Congo, Sudão, Síria e República Centro Africana é um reflexo do impacto da guerra na escravatura moderna, interpreta a Walk Free. 

Já em relação à Mauritânia, a escravatura é algo difícil de erradicar porque está integrada na sociedade e é perpetuada pela tradição, passa de geração em geração e faz parte do sistema social, escrevem.

Meio milhão na Europa

Apesar de ser a região do globo com o menor índice de escravatura, 1,6%, a Europa continua a ter mais de meio milhão de escravos entre as suas fronteiras - a maioria é para exploração laboral e sexual. Islândia, Irlanda e Luxemburgo são os países europeus com menor incidência de escravatura na Europa, enquanto a Bulgária, República Checa e Hungria têm os níveis mais altos. A Turquia tem, porém, o número absoluto mais alto, com mais de 185 mil.

O tráfico de seres humanos para a indústria da cannabis na Irlanda e a mendicidade forçada em França são alguns dos casos mais recentes. Cerca de 65% das vítimas de tráfico serão cidadãos da União Europeia, 70% das vítimas identificadas serão para exploração sexual e 19% para exploração laboral. Continuam a existir situações de servidão doméstica de cidadãos não-europeus nas casas de pessoal diplomático, escrevem.

Uma das novidades do Índice deste ano é medir as respostas dos governos à escravatura e a taxa de vulnerabilidade da população em cada país relativamente ao problema. 
Em relação à resposta governamental, Portugal está em 23º lugar no ranking dos 167 países e em 17º no dos 37 países europeus. Já no índice de vulnerabilidade está no 150º e em 24º no europeu (neste caso, quando mais alta a posição, melhor). Para medir as respostas governamentais ao problema foram usados cinco factores que devem estar incluídos na luta contra a erradicação da escravatura, de acordo com a Walk Free: identificação e apoio a vítimas, mecanismos de justiça criminal adequados, coordenação e responsabilização do governo central, combate às atitudes, sistemas sociais e instituições que facilitam a escravatura, e subcontratação. 


O Brasil, que neste índice aparece em melhor posição do que Portugal ocupando o 14º lugar, é um dos países elogiados pelo relatório como um dos três que está a fazer um esforço para prevenir o recurso ao trabalho forçado e escravo nas cadeias de produção, ao lado dos Estados Unidos e Austrália. Estes países fizeram um compromisso público de combate à escravatura moderna nas suas cadeias de produção, como a Austrália, ou tomaram passos decisivos para garantir transparência como a criação da lista negra de empresas no Brasil em que são publicados os nomes das empresas que lucraram com trabalho forçado, escreve a Walk Free.   

Quanto à vulnerabilidade da população à escravatura, ela baseia-se em cinco factores: as políticas de combate à escravatura moderna, as protecções dadas por direitos humanos, o nível de desenvolvimento económico e social, o nível de estabilidade estatal e a extensão dos direitos das mulheres e de níveis de discriminação.   

O problema asiático

Tal como no ano passado, este índice de 2014 mostra que quase dois terços da população escravizada está na região da Ásia-Pacífico. Trabalho forçado, tráfico para exploração sexual e casamentos forçados são as formas que a escravatura assume, e em países como a Índia e Paquistão a população, por vezes famílias inteiras, são escravizadas através de trabalho escravo na construção, agricultura, produção de tijolos, etc. 

Nesta região, a Índia, Paquistão e Tailândia representam quase 50% do total da população mundial escravizada e isto “é um reflexo do facto de muitos dos países no sudeste asiático terem a mão de obra desqualificada que fornece a cadeia de produção de várias indústrias, da comida à tecnologia”.    

 “Há a ideia de que a escravatura é uma coisa de uma era passada. Ou que só existe em países afectados pela guerra ou  pela pobreza. Estes dados mostram que a escravatura moderna existe em todos os países” , afirma Andrew Forrest, o fundador da Walk Free, citado no comunicado de imprensa do relatório.

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