O destino americano de James Brown

Tate Taylor assina um filme biográfico menos sobre a música e mais sobre o que custa viver o sonho americano.

i-video
Trailer Get On Up - A História de James Brown

A melhor surpresa do segundo filme de Tate Taylor, depois do triunfo improvável de As Serviçais (2011), é trocar as voltas ao conceito do biopic musical.

Não que não haja aqui música (há, muita, boa, impecavelmente apresentada). Mas o que interessa ao realizador não é tanto James Brown, o “soul brother number one”, o autor de Sex Machine, Say It Loud I’m Black and I’m Proud ou Living in America; é muito mais James Brown o “homem que trabalha mais no duro no show-business”, a encarnação de uma ideia de sonho americano com todos os seus defeitos e virtudes, arrancada a ferros de um período em que ser negro no Sul dos EUA era ser cidadão de terceira classe.

Taylor e o actor Chadwick Boseman retratam um homem que ultrapassou todos os obstáculos que a vida lhe pôs à frente, mesmo que isso implicasse queimar pontes e deixar tudo para trás. E fazem-no sem esconder a dimensão temperamental de Brown — embora, aqui entre nós, a suavizem um bocadinho em demasia, no que é um dos aspectos francamente decepcionantes de Get On Up: a sua progressiva acomodação ao cliché narrativo, a sensação de que é preciso chegar ao fim do filme com tudo arrumadinho no seu lugar e sem levantar grandes ondas, perdendo lentamente o gás que foi acumulando ao longo da maior parte da sua duração.

Mas James Brown sempre levantou ondas (quando não as criou) e o guião do dramaturgo Jez Butterworth desenha muitíssimo bem o contexto que dele fez a personalidade que era, substituindo a narração cronológica por um sistema de “bonecas russas” que vão e vêm constantemente entre momentos díspares da vida do cantor, contrastando sistematicamente a auto-confiança de Brown com a segurança discreta do seu amigo e cúmplice Bobby Byrd (um excelente Nelsan Ellis). Acima de tudo, Get On Up é uma espécie de “relatório e contas” do que significa subir-se a pulso, olhando para a música popular como parte de uma cultura e de uma identidade mais latas e para James Brown como mais um daqueles “destinos americanos” que tanto pesam na imaginação do cinema. Há mais aqui para ferrar o dente do que parece à primeira vista. 

Sugerir correcção
Comentar