Reeleita, Dilma Rousseff compromete-se a dialogar e a reformar sistema político

Os dois concorrentes à presidência do Brasil apelaram à união e reconciliação após a votação.

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A chave da vitória de Dilma foi a capacidade de oferecer aos eleitores uma “narrativa” que ia para além do pessimismo da crise e emergência económica denunciada por Aécio Ueslei Marcelino/REUTERS

Pouco mais de três milhões de votos separaram os dois candidatos à presidência do Brasil, na disputa mais apertada de sempre pelo Palácio do Planalto. No final, prevaleceu a Presidente Dilma Rousseff (51,6%) e a ideia de que o combate à desigualdade e a correcção das assimetrias se sobrepõe à necessidade de reequilíbrio das contas públicas – e ainda justifica manter o Partido dos Trabalhadores (PT) no poder por mais quatro anos.

Conhecidos os resultados e desfeito nas urnas o empate que prevaleceu durante toda a campanha, a Presidente reeleita deitou para trás das costas as acusações e ataques do (violento) período eleitoral e manifestou a sua total abertura para dialogar, “construir pontes” e “encontrar consensos”, sem os quais dificilmente conseguirá governar, tendo em conta a fragmentação – também ela histórica – do poder partidário no Congresso de Brasília.

“Esta Presidente aqui está disposta ao diálogo. Esse é o primeiro compromisso do meu segundo mandato”, vincou Dilma no seu discurso de viória, num hotel da capital. Quem conhece o feitio da Presidente, que é descrita como autoritária, obstinada, inflexível e teimosa, encara esta promessa com algumas reticências – não foi assim que ela governou nos últimos quatro anos. No entanto, no mesmo discurso, a representante do PT comprometeu-se a “ser uma pessoa ainda melhor do que me tenho esforçado por ser”.

Sem nenhuma referência directa ao seu adversário eleitoral do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), Aécio Neves, que é um defensor do prolongamento do mandato presidencial para cinco anos e o fim da reeleição, Dilma Rousseff informou o país que a prioridade do seu novo Governo será levar a cabo uma reforma política. Trata-se de uma responsabilidade constitucional do Congresso, cuja tendência para a auto-preservação a Presidente pretende ultrapassar pela via plesbicitária.

Novamente, a declaração de Dilma embate num relativo cepticismo. “O sistema se auto-corrompe, independentemente das pessoas: é impossível fazer mudanças e reformas estruturalmente, por dentro do sistema”, diz ao PÚBLICO o analista do jornal O Estado de São Paulo, José Roberto Toledo. “O quadro é mau e está piorando, o sistema chegou num paroxismo”, considera. “A única maneira de acelerar esse processo [de reforma política] seria a convocação de uma Constituinte. O problema é que a lei não permite convocar uma Constituinte para discutir apenas um assunto, e então ninguém quer correr o risco de avançar por aí”, nota.

No seu breve discurso de concessão, Aécio Neves (48,3%), como Dilma, falou na necessidade da reconciliação do povo brasileiro após o duro combate eleitoral. Mas como ao longo da campanha, insistiu que mais urgente do que tudo o resto é avançar com medidas para garantir a estabilização macro-económica para retomar a via do crescimento.

Um primeiro sinal surgiu logo nesta segunda-feira, com os mercados a “digerir” com um movimento forte de baixa a reeleição de Dilma. O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores brasileira, registou uma queda de 4,4%, com os títulos da petrolífera estatal Petrobras a caírem 12%; o câmbio do país também foi penalizado, com o dólar a atingir 2,52 reais, a cotação mais alta desde 2008. Os analistas económicos não esperavam, porém, que a tendência se acentuasse, uma vez que o mercado já tinha assimilado o cenário da continuidade.

Narrativa e desconstrução
A chave da vitória de Dilma, salientaram vários analistas, foi a capacidade de oferecer aos eleitores uma “narrativa” que ia para além do pessimismo da crise e emergência económica denunciada por Aécio, e apelava aos sentimentos de pertença e aos desejos de ascensão social e cultural da maioria da população brasileira. No conteúdo, a sua campanha foi mais pela positiva, com a tónica na solidariedade, mesmo se na prática foi brutal. “Ganha a eleição quem consegue convencer um maior número de pessoas da sua versão”, lembra Toledo.

Como se escreveu nesta segunda-feira, “Dilma ganhou batendo” – principalmente nos seus adversários. A estratégia da desconstrução que foi seguida pela sua candidatura revelou-se infalível: na primeira volta, a Presidente neutralizou a ascensão de Marina Silva explorando as dúvidas e ansiedades dos eleitores perante o “desconhecido”; já na segunda votação, conseguiu impor o medo de um regresso ao passado a uma população que desde o início do milénio tem vindo a progredir nos seus rendimentos e condições de vida.

Um elemento ligado à campanha do PT destacou ao PÚBLICO a importância da estrutura e organização do partido, que demorou a mobilizar-se mas, perante o impasse nas sondagens, acabou por “trazer a militância para a rua”. Aí, o peso do PT foi notório. Mas a mesma fonte atribui a maior importância ao envolvimento pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva na fase final da campanha. “Quando o Lula entrou, virou até covardia: eram dois contra um”, admite.

A esses elementos da vitória de Dilma, contrapõem-se os factores que contribuíram para a derrota de Aécio – que mesmo assim saiu da eleição como o candidato tucano (o animal que simboliza o PSDB) mais votado na história do partido, com 48,4%. Para os analistas, foi a sua (fraca) prestação em Minas Gerais que determinou o seu destino: o ex-governador do estado contava com uma onda de 70% de votos e em vez disso ficou em segundo nas duas mãos da eleição, ligeiramente humilhado pelo refrão de “quem conhece Aécio não vota em Aécio”, utilizado à exaustão pela campanha de Dilma.

O homem do PSDB “perdeu por ter sido derrotado em Minas Gerais, o seu próprio estado”, acredita o colunista da Folha de São Paulo Fernando Rodrigues. “Se as previsões da campanha se tivessem verificado, a história seria outra: uma vitória acachapante em Minas, [que é o segundo maior colégio eleitoral do Brasil] seguramente teria levado Aécio até ao Palácio do Planalto”, considera. “Só que ele tomou todas as decisões politicas erradas no seu próprio quintal”, explica.

Polarização acabou
“Combati o bom combate, cumpri a minha missão e guardei a fé”, declarou o candidato, que não conseguiu cumprir o destino do avô, Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse como Presidente do Brasil. Aécio regressa agora a Brasília, onde ainda tem quatro anos de mandato no Senado. A seu lado, estará agora José Serra, o último candidato presidencial do PSDB, também derrotado por Dilma.

A unidade entre as facções mineira e paulista do PSDB, representada pelos dois, passou a estar na mira dos observadores logo que se conheceram os resultados. Apesar do excelente resultado do Aécio, no domingo à noite já se especulava que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é o “candidato natural” do partido em 2018. O raciocínio é que o mineiro “foi bem” nas áreas de voto anti-PT que seriam ganhas pelos tucanos independentemente do candidato, mas Alckmin protagonizou uma vitória retumbante para o partido, garantindo a reeleição em São Paulo no meio de uma crise hídrica sem precedentes e contribuindo para a ampliação da bancada social-democrata na Câmara de Deputados.

Na sua condição de maior partido da oposição, caberá agora ao PSDB assumir efectivamente a responsabilidade pela ao Governo Dilma. Como reparou ao PÚBLICO o colunista Clóvis Rossi, da Folha, “a polarização acabou no domingo”, uma vez que o modelo político brasileiro não se reflecte em dois blocos parlamentares opostos como noutros sistemas – republicanos versus democratas, conservadores versus trabalhistas, populares versus socialistas, elenca. “A principal característica da política brasileira, que é a disfuncionalidade, vai continuar após a eleição. Com 28 partidos no Congresso, não tem como falar em polarização”, brinca.

Assim, a partir de Janeiro, a Presidente está obrigada a negociar em terreno minado. A maioria no Congresso está assegurada pelo PMDB – que saiu da votação como o “mais bem dotado para fazer o toma-lá-dá-cá” – e pela restante base aliada, assinala José Roberto Toledo. “O problema é o custo: quanto mais disperso o poder, mais fraca é a sua posição negocial”, conclui.

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