Nove ideias para a moda portuguesa

No “mês da moda portuguesa” que começa na sexta-feira com a 43.ª edição da ModaLisboa, e que dia 22 continua com o Portugal Fashion, pedimos a criadores, empresários e académicos para contribuírem para a reflexão sobre o futuro do sector.

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BRUNO SIMÕES CASTANHEIRA

Há 23 anos, Portugal via nascer a ModaLisboa, que deu um palco único à moda de autor portuguesa. Desenhava-se já uma cultura de moda num país que vivera a ditadura entre costureiras e um punhado de lojas que traziam modernidade às grandes cidades.

Entrou depois em cena o Portugal Fashion como nova plataforma mais próxima da indústria que, gradualmente, se tornou também mais autoral. Duas décadas serviram para o sector crescer, mas continua a lutar por visibilidade, parcerias e apoios. Hoje, a moda portuguesa continua periférica em relação ao grandes centros internacionais, mas também nos hábitos de consumo dos portugueses. As novas gerações de designers debatem-se dentro e fora do país. São muitos os portugueses nos bastidores das grandes marcas mundiais, mas muito poucos os que trabalham em nome próprio à moda portuguesa fora do país. Ideias para o futuro precisam-se.

Mentores

Paulo Almeida

Os Marques Almeida estão na semana de moda de Londres e lançaram colecção cápsula para a Top Shop

Em comparação com o Reino Unido, a nossa percepção dos eventos de moda portugueses é de que não basta ter uma apresentação de um desfile e muito menos um que não consegue atrair imprensa internacional relevante por já acontecer muito tarde no calendário internacional de moda — Nova Iorque, Londres, Milão e Paris, e as vendas, ocorrem antes. Os desfiles são importantes para transmitir uma ideia e um conceito, mas no fim de contas servem para atrair compradores. É preciso todo um trabalho de mentoring que trabalhe com os criadores — Londres é especialista em vender ideias e criatividade — e também a parte financeira, de vendas, garantindo que há um plano de negócios, aconselhando os espaços de venda certos para a marca crescer e se tornar relevante. É importante apoiar os criadores em presenças em feiras internacionais para fazer vendas. Em Portugal temos a sensação de que toda a gente trabalha muito, mas só se vê o desfile e não há tanta sequência em projectos de produção, de vendas, de distribuição. 

Comunicação e marketing

Christophe Sauvat

Co-fundador da Antik Batik, estreia-se sábado na ModaLisboa

Uma das razões para criar a marca em Lisboa foi a qualidade de produção. No entanto, enquanto designers de uma marca média, sentimos que os apoios à comunicação e divulgação das marcas portuguesas são ínfimos. Se é verdade que existem apoios substanciais para a internacionalização e exportação de produtos e marcas portuguesas, o mesmo não acontece na divulgação interna. Estar num bom showroom de vendas é essencial para chegar aos clientes certos. Por outro lado, estar nos meios de comunicação certos, ter as nossas peças em produções de moda e sugestões de compras, ter um bom look book que comunique a imagem da nossa marca é fundamental. As pessoas querem ser inspiradas e nós queremos inspirá-las e é através da comunicação e do marketing que o podemos fazer. A moda portuguesa está no caminho certo. Há, felizmente, várias iniciativas que apoiam novos designers e lojas e espaços que procuram novas marcas. Mas ainda há um longo caminho a percorrer na área da comunicação.

Fashion districts

Nuno Baltazar

Designer de moda, apresenta-se agora no Portugal Fashion

Existem em Lisboa e no Porto duas semanas de moda distintas e é fundamental aproveitar o momento que a imagem do país atravessa em termos turísticos para potenciar as marcas de autores portugueses para que sejam também a imagem do país, mais um elemento diferenciador, um negócio e também um elemento dinamizador das cidades. Tanto a ModaLisboa como o Portugal Fashion adquiriram um estatuto que os coloca como líderes naturais do processo que é urgente desencadear na moda portuguesa: ouvir os seus protagonistas, as suas necessidades e ideias e arquitectar um plano de acção que envolva associações, designers, empresários, Secretaria de Estado do Turismo, câmaras e parceiros estratégicos. Nesse sentido lanço uma das ideias que me ocorre recorrentemente: a criação de fashion districts. Tanto Lisboa quanto o Porto têm zonas, provavelmente nas suas Baixas, onde poderiam receber lojas de autor concentradas que, assim, ganhariam muito mais força. Há cada vez mais apetência pelo que é diferente em cada país. Seria muito importante que ModaLisboa e Portugal Fashion fossem motores junto das autarquias para identificar espaços e que negociassem benefícios, como rendas especiais, investindo num espaço que se irá valorizar. Por outro lado, não havendo grupos financeiros a apoiar os criadores, é fundamental que existam reuniões e acções de sensibilização concreta da indústria face à necessidade de apostar nas marcas portuguesas de autor. É possível desenvolver com elas um negócio rentável — a minha geração sofre com o falhanço dos primeiros incentivos do género no país, mas já houve tempo para aprender com os erros. Identificar os criadores capazes de se desenvolver e encontrar parceiros para esse desenvolvimento à semelhança do que tem existido no calçado com os projectos da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos - APICCAPS, uma estratégia pensada, dirigida. A moda de autor e pode ser um bom negócio. 

Consignação e apoios

Alexandra Moura

Designer de moda, apresenta-se esta noite na ModaLisboa

A falta de buyers é gritante e a actuação dos mesmos tem de mudar. Continuamos num registo em que existem lojas que querem ser multimarcas mas que depois ou não têm marcas portuguesas ou não as compram — o investimento para uma colecção em mão-de-obra e materiais é enorme e repeti-lo três ou quatro vezes para depois as peças ficarem à consignação é incomportável. Não há buyers portugueses a contactar marcas portuguesas que estão em Portugal, talvez só as que estão fora. Os buyers que existam nas nossas plataformas de apresentação compram o que é internacional e não as nossas marcas. Isto quando o produto português está, em qualidade de acabamentos, muito acima da qualidade de algumas marcas internacionais. E, nesse campo, tem de haver mais apoio aos criadores. Existem empresas e entidades como a Selectiva Moda que fazem algum apoio, mas para comparticipar uma ida a uma feira existem requisitos que não têm em conta a especificidade de cada marca e por vezes as trabalham em conjunto, em pacote. São necessários apoios focalizados em cada criador, em cada estética. Chegou a hora e espero que haja alguma mudança. A nossa indústria fecha as portas aos seus. Trabalhamos com pequenas quantidades e não damos tanto lucro, mas se não nos derem apoio não podemos crescer. E levamos o nosso trabalho para fora.

Influenciar a vida

Ana Couto

Professora Auxiliar da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa

Para o futuro da moda portuguesa, e da moda em geral, é importante que, criativamente, o design de moda e o vestuário influenciem de  forma positiva a vida dos seres humanos. Para abandonar ideias do século XX (como os tamanhos e ideais de beleza) e dar algo novo ao consumidor do século XXI. Como eWell being, bem-estar: cada vez mais o vestuário pode ajudar-nos no dia-a-dia. Para tal contribuem as investigações sobre modelagem de roupa que facilitam  o movimento;  o vestuário que corrige ou modela posturas corporais; os tecidos tecnológicos que permitem que o vestuário possa ministrar medicamentos, proteger das alergias... Adaptar também o vestuário ao envelhecimento na modelagem, nos materiais, na forma como agiliza o seu manuseamento. E queremos peças criadas para uma relação duradoura, pensadas para se tornarem mais interessantes enquanto envelhecem, que conduzam ao abandono do consumismo. Ou ainda enJoy: vestuário que inebria os sentidos, não só os nossos, mas também os dos outros, de forma a que também os cegos, por exemplo,  possam sentir o “arrepio” que a beleza de algumas peças proporciona — através da aplicação de conhecimentos da neurociência ao design.

Empresarialização

Ana Salazar

Criadora de moda e responsável da marca AnaByHerself

A falta de reconhecimento dos designers portugueses deve-se ao facto de não temos a tradição de moda de outros países; e os portugueses nunca foram como os espanhóis, amigos do que é feito no seu país. Mesmo neste período conturbado que Portugal vive, a indústria, que sempre foi boa, está cada vez melhor e a prova é que trabalha para as grandes casas como Givenchy, Saint Laurent ou Marni. O que será melhor para a moda portuguesa é uma estratégia de negócio e marketing na perspectiva empresarial para os criadores. Um criador de moda precisa de uma estrutura de gestão porque essa não é a sua especialidade, de um plano de negócio, de um objectivo e de estratégias de distribuição e comercialização. A entrada de investidores e parcerias é normal no estrangeiro e, quando é bem feita, é essencial e um caminho para a moda portuguesa. Só alguns criadores têm ponto de venda e o acesso dos clientes às peças é essencial. E havendo poucas verbas para a publicidade maciça, no marketing há que fazer as escolhas certas – como vestir as pessoas certas.

Uma só voz

Paula Amorim

Proprietária das lojas Fashion Clinic

Como início de reflexão, questiono qual o benefício para a moda portuguesa, criadores e profissionais do sector, de termos duas organizações, dois eventos, ModaLisboa e Portugal Fashion a comunicarem moda do nosso país? Dá-me a mesma sensação clubista do Norte/Sul.Parece-me fundamental uma comunicação única e global acerca de moda em Portugal. Congregar esforços e uma visão integrada para uma acção mais eficiente do sector. A dimensão e coesão de todos os agentes de moda é fundamental para impor dinâmicas, galvanizar recursos, trazer escala para o negócio e visibilidade internacional para a moda portuguesa. Reconheço em Portugal ideias, indústria capaz e mão-de-obra qualificada. Temos todas as condições estruturais e know-how para sermos um player de referência em áreas de nicho e apostarmos em qualidade. Precisamos de passar das ideias para a estratégia, ter uma visão consolidada, projectos realistas, sustentáveis e acima de tudo fortes lideranças.

Porto, cidade da moda

Paulo Vaz

Director-geral da Associação de Têxtil e Vestuário de Portugal

Tornar o Porto uma “cidade da moda”, aproveitando a conjugação feliz de diversos elementos: um espaço cosmopolita com história, identidade e valores, altamente atrativo turisticamente e que envolve públicos jovens e diversos, estimulados pelo lifestyle singular que a cidade oferece. A geografia da moda é afinal isso: a capacidade de se ter um estilo de vida imitável, que os outros identificam, reconhecem e procuram. O Porto tem tudo isto, além de estar nele localizado um conjunto de actividades do negócio sistémico da moda — escolas de moda, ateliers e lojas, fotógrafos e produtores, agências, o Portugal Fashion. É a capital de uma região onde estão localizados clusters industriais relacionados com a moda. O Porto para ser uma cidade da moda terá de desenvolver um fashion district, agregar um conjunto de eventos dispersos naquilo que já está em processo, a Porto Fashion Week, duas vezes por ano, e, sobretudo, ter o envolvimento da cidade, das suas políticas públicas, que têm de compreender a moda como bandeira adicional de atracção turística e promoção, como um negócio.

Identidade portuguesa

Paula da Costa Soares

Docente na Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada do Porto

Actualmente as marcas portuguesas de moda posicionam-se em vários mercados internacionais mas não são reconhecidas como marca portuguesa. Há aqui um entrave na definição da identidade da moda portuguesa e na sua promoção, agravada pelo facto de a indústria nacional ser considerada (desde sempre) pela qualidade de produção e não pelo seu design. Existe claramente uma forte necessidade em promover a identidade da moda portuguesa a nível nacional e internacional, tornando-a uma mais-valia na conquista de mercados tanto para os designers de autor como para as marcas de moda. Esta necessidade levanta várias questões: 1) definir os pontos fortes que mais promovem esta identidade — a qualidade de produção e/ou o design; 2) quem representa esta identidade no mercado nacional e/ou no mercado internacional — o design de autor e/ou as marcas de produtos de moda; 3) identificar o que provoca o não reconhecimento das marcas de moda como portuguesas.

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