O aroma do “café com leite”

A aliança que durante a República Velha manteve a rotação no poder entre São Paulo e Minas ainda faz sentido.

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Dilma Rousseff e Lula da Silva, os dois presidentes eleitos pelo PT REUTERS/Nacho Doce

No domingo à noite, a terceira via estourou e a “normalidade” política regressou ao Brasil. A segunda volta das presidenciais brasileiras vai repetir o figurino de todas as disputas eleitorais no país desde 1994, com o Partido dos Trabalhadores (PT) de um lado, e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) do outro. Com excepção do governo em que o “caçador de marajás” Fernando Collor de Melo presidiu até ser afastado na sequência de um escândalo de corrupção, em 1992, todos os presidentes brasileiros da era democrática ou foram do PT (dois mandatos de Lula e um de Dilma) ou do PSDB (dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso).

Outro sinal de que a tradição ainda é o que era é o facto de, ganhe quem ganhar no dia 26, o Brasil terá um presidente de Minas Gerais, o estado que juntamente com São Paulo e o Rio Grande do Sul tem dominado a política brasileira. Dilma é uma mineira que fez a sua carreira política no Rio Grande do Sul e Aécio é um mineiro que dá continuidade a uma longa tradição política no Estado - havia um terceiro candidato de Minas, Levy Fidelix, que se destacou pela sua pose homofóbica num debate na televisão. Mas os seus candidatos a vice-presidente, Michel Temer e Aloysio Nunes, são paulistas.

A aliança “café com leite”, que durante a República Velha, deposta em 1930, manteve a rotação no poder entre São Paulo e Minas, ainda faz sentido. Quanto mais não seja porque, juntos, os dois estados representam um terço do total dos votos no Brasil. Nesta disputa, a candidatura de Marina Silva era mesmo uma alternativa ao padrão do balanço do poder em Brasília: Marina é do remoto estado do Acre.

Dizer que os mineiros mandam no Brasil em conluio com os paulistas não é, no entanto, comprovável com o rol de presidentes que, depois de 1930, ocuparam o poder no Rio de Janeiro e, depois de 21 de Abril de 1960, em Brasília. Juscelino Kubitchek, que governou entre 1956 e 1961, era um mineiro de Diamantina, uma pequena cidade do interior do estado perto de São João del Rei, onde nasceram Tancredo Neves, a personalidade fundamental da transição da ditadura para a democracia em 1985, e o seu neto Aécio. Mas Getúlio Vargas e João Goulart eram gaúchos, Collor de Mello de Alagoas, José Sarney do Maranhão e Lula nordestino de origem – embora tenha construído a sua imagem política no coração industrial do país, em São Paulo, estado de onde são igualmente originários o efémero e histriónico Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso.

Já durante a Ditadura Militar, Castello Branco era de Fortaleza, Ceará, Costa e Silva, Emídio Médici e Ernesto Geisel do Rio Grande do Sul e João Baptista Figueiredo carioca.

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