“Revolução dos guarda-chuvas” em Hong Kong mantém desafio às autoridades

Governador pede fim imediato dos protestos. Mas estes não param de aumentar.

Manifestante protegido contra o gás, temendo a intervenção da polícia anti-motim, entretanto retirada das ruas
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Manifestante preparado para uma intervenção da polícia anti-motim, entretanto retirada das ruas Xaume Olleros/AFP
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Guarda-chuva e óculos, acessórios omnipresentes nos protestos Xaume Olleros/AFP
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O guarda-chuva serve para protecção do sol Carlos Barria/Reuters
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Nem as barricadas dispensam os guarda-chuvas Philippe Lopez/AFP
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Carlos Barria/Reuters

A polícia antimotim já saiu das ruas e os protestos em Hong Kong continuam — pacíficos e já sem as nuvens de gás lacrimogéneo e gás pimenta com que as autoridades tentaram esvaziar as ruas.

O chefe do executivo da região administrativa especial da China, Leung Chun-ying, pediu o fim imediato dos protestos. “Os fundadores do movimento Occupy Central disseram repetidamente que se o movimento se descontrolar, eles apelariam ao seu fim”, disse Leung. “Estou a pedir-lhes agora que cumpram essa promessa que fizeram à sociedade, e que parem imediatamente esta campanha.”

Os manifestantes não querem que os candidatos às próximas eleições de 2017 sejam seleccionados previamente por Pequim e pedem a demissão de Leung, algo que ele já recusou. Mais, disseram que esperam uma resposta do governo às suas reivindicações ou anunciariam mais acções de desobediência civil.

Os protestos foram marcados por violência, especialmente no domingo, mas após a divulgação de imagens de cargas policiais e uso de gás, ainda mais pessoas saíram à rua. Estima-se que estejam cerca de 20 mil pessoas a manifestar-se, bloqueando avenidas normalmente movimentadas.

Têm uma rotina já mais ou menos estabelecida: ao final da tarde e à noite começa a chegar cada vez mais gente, a noite é passada na rua, de manhã há pessoas que começam a ir a casa e outras a limpar o que ficou da noite anterior, há turnos para idas a casa ou trabalho, e ao final da tarde os números voltam a crescer.

Como surgiu o guarda-chuva
Muitos dos manifestantes nos primeiros protestos, no final da semana passada, queriam proteger-se do sol e levaram guarda-chuvas para aguentar a tarde na rua. Acabaram a usar os guarda-chuvas para se proteger do gás. Fotos mostravam manifestantes em posição de rendição com dois guarda-chuvas, multidões de guarda-chuva. E assim nasceu um símbolo dos protestos.

Um artista de Hong Kong, Kacey Wong, começou uma campanha nas redes sociais com logos usando a imagem do guarda-chuva: “Inspirei-me ao ver as pessoas defenderem-se com utensílios domésticos. O contraste era tão marcado. Num lado havia brutalidade policial e do outro lado estes pobres guarda-chuvas”, comentou à BBC. “Agora o guarda-chuva é um símbolo de desafio, um símbolo de resistência.”

Para muitos, não protestar não é uma hipótese. “É a revolução do guarda-chuva”, comentava Emily Pang, 24 anos, recepcionista num clube de cricket, ao início da noite. “Tenho de proteger a nossa Hong Kong.” Os manifestantes temem que as relativas liberdades na região administrativa especial se percam e que o mote “um país, dois sistemas” mude, tornando-se o sistema cada vez mais igual em todo o território. 

A atmosfera nas ruas é agora pacífica e estes já foram classificados como “os protestos mais bem-educados”, mas os manifestantes temem que a qualquer altura isso mude de novo (no início da semana, havia rumores de que a polícia se preparava para usar balas de borracha, ou que Pequim se prepararia para enviar soldados). A correspondente da BBC em Hong Kong, Saira Asher, contava como a meio da noite os manifestantes começaram a pôr máscaras antecipando uma acção policial. Afinal, tratava-se apenas de uma mudança de turno da polícia. Mas a tensão e o medo eram palpáveis. 

Como irá responder Xi?
Todas as atenções se focam agora em Pequim: o que irá fazer o Presidente chinês Xi Jinpin? Perder a face em Hong Kong e fazer um compromisso relevante com os manifestantes arriscaria motivar protestos na China, mas o uso da força contra manifestantes pacíficos — como aconteceu em Tiananmen — na antiga colónia britânica iria provavelmente ser contraproducente, pondo em risco ainda a sua posição de centro financeiro global.

As formas de repressão usadas na China não resultarão em Hong Kong, comentou Xiao Shu, escritor chinês actualmente numa Universidade de Taiwan, ao jornal norte-americano New York Times: “Na China, enquanto se controlar a rua com soldados suficientes e armas, pode matar-se um protesto, porque tudo o resto já está controlado: a imprensa, a Internet, as escolas, todos os bairros e todas as comunidades”, comentou. “Em Hong Kong, as ruas não são o único campo de batalha.”

“Isto já é muito maior do que qualquer coisa que as autoridades de Pequim ou de Hong Kong alguma vez esperaram”, disse por seu lado Larry Diamond, especialista em desenvolvimento democrático da Universidade de Stanford (EUA). “Não há uma estratégia para fazer diminuir os protestos pacificamente, porque isso implicaria negociações, e não penso que o Presidente Xi Jinping permita isso. Se acontecer, vai parecer fraco, algo que ele claramente detesta.”

Mesmo um compromisso aparente, comenta o New York Times, poderia ser demasiado para o líder chinês. Se as autoridades retiraram a polícia antimotim, os sinais vindos da imprensa oficial chinesa são no sentido de um endurecimento da resposta. É imprevisível o que irá acontecer.

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