Hans Rosling, o homem que mostra o mundo com números que se mexem

Uma conversa com o sueco que transforma dados estatísticos em palestras cativantes e que quer acabar com o termo “países em desenvolvimento”.

Hans Rosling, o homem que explica o mundo com números que se mexem

O sueco Hans Rosling tem uma espécie de obsessão com as máquinas de lavar. Este electrodoméstico que damos por garantido na casa de qualquer família em Portugal, diz, é um poderoso instrumento para a melhoria da condição social e económica das mulheres.

“Permite poupar horas e horas de duro trabalho”, explica Rosling ao PÚBLICO, pouco depois de encerrar uma palestra inaugural do Congresso Mundial da Água, na semana passada em Lisboa.

Cinco mil milhões de pessoas não têm acesso a uma máquina de lavar. As mulheres perdem grande parte do dia a esquentar a água em fogueiras, fogões a lenha ou de outras formas rudimentares, e a esfregar a roupa em baldes ou junto a cursos de água. O tempo que aí perdem pode ser aproveitado de outras formas mais libertadoras, na educação ou numa ocupação económica. Rosling dá o exemplo da sua própria mãe, que começou a ler livros depois de ter a sua primeira máquina de lavar. “A partir daí, começou a estudar e foi para o secundário. A vida melhorou”, recorda.

A sua tese não é original, mas Rosling descreve-a com o poder de comunicação que fez dele um fenómeno mediático global. Este médico e professor do Instituto Karolinska, em Estocolmo, é um apaixonado pelos números. Em 2005, fundou, juntamente com o filho Ola Rosling e a nora Anna Rosling Rönnlund, a Gapminder, uma organização sem fins lucrativos com o objectivo de promover o desenvolvimento sustentável.

A organização inicialmente dedicou-se a desenvolver um programa de computador que pudesse “revelar a beleza das séries estatísticas, convertendo números enfadonhos em gráficos animados, interactivos e aprazíveis”, na descrição da própria Gapminder.

Assim nasceu o Trendalyzer, um gráfico em que bolas representando cada um dos países do mundo se vão movendo e mudando de tamanho, à medida que os anos passam, mostrando sempre a relação entre dois parâmetros, entre dezenas repartidos por áreas como população, saúde, educação, economia, ambiente, energia ou infra-estruturas.

Esta ferramenta de visualização mostrou-se tão poderosa que quando Hans Rosling terminou a palestra que o tornaria famoso, nas conferências TED de 2006 em Monterey, Califórnia, o co-fundador da Google, Larry Page, subiu ao palco e perguntou-lhe: “Quem fez este software?” No ano seguinte, a Google comprou o Trendalyzer.

Desde então, o sueco, hoje com 66 anos, não pára de dar palestras e de produzir vídeos, não se valendo só do Trendalyzer, como também de objectos simples, como peças de Lego, moedas ou bonecos parecidos com os dos matraquilhos.

O tema é sempre o desenvolvimento mas o objectivo não é simplesmente científico. Rosling, o filho Ola e a nora Anna querem ajudar a desconstruir mitos sobre o que sabemos do mundo. “O problema é que as pessoas acham que sabem”, afirma.

Um exercício que traz com alguma frequência às suas palestras é o de fazer um inquérito à assistência, com perguntas simples. Por exemplo, se o número de mortes em catástrofes naturais está a subir ou a descer. Ou quantos anos em média as mulheres frequentam a escola. As respostas mais comuns são normalmente pessimistas, em contradição com os números reais.

“O meu filho é o meu chefe agora. E ele lançou um projecto em que começámos a medir esta ‘ignorância’. Fizemos um vídeo chamado ‘Como não ser ignorante sobre o mundo’ e, em nove dias, já foi visto por 650 mil pessoas”, conta Rosling.

Se há ideia pré-concebida que o médico sueco quer ver banida da opinião pública é a de que existem dois grupos de países: “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”. Antes da conversa com o PÚBLICO, num debate que se seguiu à sua palestra no Congresso Mundial da Água, Rosling interrompeu um dos participantes, furioso: “Por que continua a usar o termo ‘países em desenvolvimento´? Eu tenho uma nova palavra para o mundo em desenvolvimento: mundo”.

“O problema não é tanto o termo, é a divisão entre dois grupos. A população portuguesa não é gorda ou magra. Há um enorme número de portugueses com peso normal”, disse depois ao PÚBLICO.

Uma animação clássica nas suas apresentações mostra a distribuição da população por nível de riqueza. Num momento do passado, a curva teve duas bossas, como um camelo, ou seja, havia de facto um grupo grande de pobres e outro de ricos. Mas à medida que o tempo passa, o perfil torna-se o de um dromedário, com uma só bossa, com a maior parte dos países numa posição mais central.

 “Não há mais aqueles dois grupos distintos”, afirma Rosling. “A diferença do rendimento per capita entre Portugal e a Noruega é de sete vezes. E o Chile está quase na mesma posição do que Portugal. Há uma variação contínua do nível económico e social”, acrescenta.

No mundo de hoje, portanto, não existem mais “os ricos” e “os pobres”, mas sim um único conjunto que vai dos “mais pobres” até aos “mais ricos”, com uma grande parcela da população no meio.

Hans Rosling conhece bem esta transformação. Tirou o curso de medicina na Índia e três anos depois de se licenciar, em 1979, foi para Moçambique, onde esteve até 1981. “Eu falo português”, diz, com sotaque, quando entra para sala onde decorreria a entrevista. Foi consultor da Organização Mundial da Saúde, da UNICEF e fundou os Médicos sem Fronteiras na Suécia.

Ao que viu ou tem visto com os seus próprios olhos, acrescenta agora a força dos dados estatísticos e da sua visualização. É esta a missão explícita da Gapminder: “Lutar contra a devastadora ignorância com visões do mundo baseadas em factos que qualquer um pode entender.”

São os números que o convencem de que, na luta contra as alterações climáticas, é essencial que o denominador comum entre os países seja o das emissões de dióxido de carbono (CO2) per capita, e não as emissões totais. É uma posição controversa, que é bem aceite pelos países mais pobres e pelas grandes economias emergentes, mas à qual as nações mais industrializadas torcem o nariz.

“O problema do clima é simples. Os mil milhões [de habitantes] mais ricos têm de baixar as suas emissões por pessoa, de modo a que possam ser compartilhadas por dez mil milhões no final deste século”, esclarece Rosling. “Todos os que estiverem acima do nível que devemos estar têm de baixar rapidamente. E os que estiverem abaixo não o podem ultrapassar.”

Nesta lógica, acrescenta, não faz sentido que haja restrições a que a ajuda internacional seja aplicada, por exemplo, em centrais eléctricas a carvão em África. “Moçambique emite agora 0,2 toneladas de CO2 por pessoa. Por que não podem fazer uma central a carvão? A Alemanha continua a queimar carvão. Não compreendo”, diz Hans Rosling.

Com base nas séries estatísticas, a Gapminder mostra que os países que enriqueceram primeiro – o “mundo desenvolvido”, segundo a definição que Rosling desgosta – fizeram uma trajectória em que a melhoria das condições de saúde ocorre depois da subida no nível económico. Mas os demais países estão a fazer outro caminho. “Olhe aqui a China”, diz, debruçado sobre o computador, utilizando o Trendalyzer. A bola grande que representa o país e a sua população sobe verticalmente ao longo do eixo da esperança de vida, mas permanece imóvel na abcissa, onde está o rendimento per capita. “Primeiro ficam mais saudáveis, depois mais ricos.”

Quando o PÚBLICO pergunta se o mesmo não pode acontecer na área climática, ou seja, se os países com menos emissões de CO2 não poderão enriquecer sem poluir, Rosling novamente recorre ao computador e mostra como neste caso todos os países têm seguido um mesmo caminho, em que as emissões sobem juntamente com o aumento da riqueza. “Isto é muito interessante, vou fazer um vídeo sobre isso”, responde, animado.

A explicação, afirma, é simples: “Não temos a tecnologia necessária. Dêem-nos painéis solares custo-eficientes e então conseguiremos. Mas o solar por ora não funciona.”

O custo dos painéis solares está a cair na China, que tem sido acusada pela Europa de estar a fazer dumping dos seus produtos na União Europeia – ou seja, vendendo-os abaixo do preço de custo. “Chamo a isto a clássica combinação de arrogância e ignorância”, atira Rosling, repetindo a frase em português, mas tropeçando nos dois “r” de arrogância. “Se eles estão a fazer dumping, devíamos agradecer. A Europa faz dumping de tantos produtos agrícolas subsidiados no mercado mundial. Se a China quer subsidiar a nossa energia renovável, devemos dizer obrigado. É a ajuda internacional da China à Europa.”

Hans Rosling é normalmente apresentado como um guru da visualização estatística ou aquele que torna os números em algo divertido. Mas o sueco não quer méritos que, segundo diz, não lhe pertencem: “Sou um bom apresentador, mas quem desenvolveu isto [o Trendalyzer] foi o meu filho, com a minha nora.”

Ler números, diz, é algo que está no dia-a-dia das pessoas. “O futebol sem números é uma chatice”, refere.

Questionado sobre o impacto do seu trabalho ou se as pessoas se interessam pelos números, responde: “As pessoas lidam com números todos os dias. O futebol sem números é aborrecido”. E conclui: “As pessoas lêem números quando se interessam pelo que significam.”

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