Dilma passa pela tempestade da crise e da corrupção e descola nas sondagens

Nem a recessão na economia, nem os casos de corrupção em torno da Petrobras, nem o surgimento do “furacão Marina” foram capazes de derrubar Dilma Rousseff. Pelo contrário, o apoio blindado da população mais pobre, a poderosa, tentacular e oleada máquina do PT e a ausência de propostas claras e alternativas levaram-na a descolar de novo nas sondagens. O que agora se discute é se Marina resiste à pressão de Aécio Neves e chega ao segundo turno.

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Estudos de opinião mostram que Dilma e o PT dominam no mundo rural e suburbano mais pobre UESLEI MARCELINO/REUTERS
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Marina capta os jovens, a classe média emergente e os empresários BRUNO KELLY/REUTERS
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Aécio seduz a classe média tradicional dos grandes centros urbanos do Sudeste e Sul NELSON ALMEIDA/AFP

A meio da manhã desta terça-feira dezenas de jovens agitavam bandeiras no corredor central da Avenida dos Portugueses, na periferia de São Luís do Maranhão. O domínio do vermelho sugeria que a campanha de Dilma e do PT estivam ali a apelar ao voto dos automobilistas que passavam. Nada disso. Um olhar mais cirúrgico mostrava que o vermelho era outro. As bandeiras eram do PC do B, o partido de origem maoísta que lidera as sondagens para o Governo do Estado do Maranhão. Tanto o PC do B como os seus adversários na disputa do Estado, do PMDB, apoiam Dilma Rousseff, mas nem um nem outro se incomodam em apelar ao voto na candidata do PT. Nem precisam. O Maranhão, como todos os estados do Norte e do Nordeste (com excepção do pequeno Acre, terra natal de Marina), onde o Estado distribui mais de metade das ajudas do programa de apoio aos mais pobres Bolsa Família, faz parte da cintura vermelha que confere a Dilma níveis de apoio na ordem dos 60% das intenções de voto.

A pouco mais de uma semana das eleições presidenciais, o que se passa em São Luís está longe de ser o que se passa na campanha no resto do Brasil. No Centro-Oeste, no Sul ou, principalmente, no tripé São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde se disputam mais de 60% dos votos da eleição presidencial, os candidatos desdobram-se em visitas, comícios e em acusações. Os últimos estudos de opinião mostram que Dilma consolida a sua vantagem (38% de acordo com o Ibope), mas a tendência de queda de Marina Silva (30%) e a subida consistente de Aécio Neves (está nos 19%) tornam impossível determinar já quem vai disputar a presidência com ela num segundo turno.

“Ainda acredito que Aécio possa ultrapassar Marina Silva, ele representa forças sociais consistentes”, diz Wanderley Guilherme dos Santos, professor de ciência política jubilado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tudo está em aberto. Até porque na semana passada havia 41,5 milhões de eleitores que já sabem em quem votar, mas admitem mudar de voto - são os “volúveis” e representam 29% do eleitorado. Depois, se Dilma lidera as intenções de voto, é igualmente a candidata com maior taxa de rejeição (33% contra 22% de Marina e 21% de Aécio).

Desde que a “providência divina” a afastou do avião que, a 13 de Agosto se despenhou e provocou a morte do candidato do Partido Socialista Brasileiro Eduardo Campos, Marina Silva tornou-se o centro das atenções. Aécio Neves, a esperança do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), foi remetido para a terceira posição nas sondagens e o PT de Dilma Rousseff que se preparava para um passeio triunfal tremeu. O “Furacão Marina” “desorientou a esquerda, os que votam na reeleição”, diz Wanderley Guilherme dos Santos.

Passadas algumas semanas, Dilma recuperou o controlo e Marina “desidratou” (desde o final de Agosto que cai nas sondagens). Porque não resistiu aos ataques dos seus adversários. “Porque entrou em sucessivas contradições”, diz Wanderley Guilherme dos Santos. Porque “fala de mais e não tem argumentos com os quais se defender”, na leitura de Adriano Oliveira, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, no Recife. Com o esvaziamento do fenómeno Marina, só a recuperação de Aécio Neves parece introduzir na campanha algum grau de imprevisibilidade. “Apatia como a actual nunca se viu em qualquer outra eleição”, escreveu Janio Freitas, um influente colunista do jornal Folha de São Paulo.

O que está a acontecer? Em primeiro lugar, há que atender ao perfil dos candidatos. São “três candidatos rejeitados”, diz Adriano Oliveira. “Dilma porque estabilizou e não consegue a votação tradicional de Lula, Marina porque despencou como uma esperança e depois não parou de perder votos e Aécio porque não sai dos 20%”, acrescenta. Dilma lidera as sondagens e começa agora a tornar-se a favorita numa segunda volta porque quer Marina Silva quer Aécio Neves não conseguiram apresentar projectos aos eleitores capazes de os mobilizar. “Dilma beneficia da falta de alternativas. Não havendo nada de novo, os eleitores preferem a continuidade”, considera Adriano Oliveira.

Num primeiro momento, o “furacão Marina” pareceu ser capaz de explorar o sentimento de 70% do eleitorado que, de acordo com estudos de opinião, quer mudanças. O seu discurso anti-sistema político atraiu os jovens das grandes cidades. A sua equipa, onde entram Maria Alice Setúbal (Neca), coordenadora do programa e herdeira do poderoso Banco Itaú, e o apoio financeiro de Guilherme Leal, dono da Natura, um gigante dos cosméticos, garantiram-lhe a simpatia dos empresários – excepto os do poderoso lobby agrícola, que vale 23% do PIB. A sua condição de mulher que aprendeu a ler com 16 anos e que foi declarada “indigente” quando deu à luz a filha Shalom há 33 anos apelaram à emoção das classes mais pobres. “Como construção de personagem e como narrativa a incendiar o imaginário, Marina sabe ser Lula”, escreveu Reinaldo Azevedo, na Veja, numa alusão ao presidente-operário que se tornou num ícone da esquerda contemporânea.

Com o passar das semanas, porém, Marina foi perdendo fôlego. O recuo no apoio ao casamento gay suscitou suspeitas de que a sua dependência do lobby evangélico não tinha acabado. Dilma pôs em causa as suas competências, avisando que “o pessoal está confundindo o presidente da República com algum rei e rainha”. Depois, lançou sobre Marina o anátema de candidata que quer entregar o poder aos banqueiros, que quer privatizar a exploração do petróleo das camadas do pré-sal, que ameaçava acabar com o Bolsa Família, que hoje beneficia 43 milhões de pessoas.

Marina tentaria responder invocando a campanha eleitoral de 2002, quando Lula foi apontado como uma ameaça que faria estourar o risco-país, que afastaria o investimento estrangeiro e levaria o Brasil ao caos. “Diziam que Lula não saberia governar, que não tinha experiência. Agora o PT faz o mesmo connosco, ampliando a calúnia e difamação”. Num vídeo que se tornaria viral na internet, Marina avisava: “Fiquem tranquilos. Eu não vou acabar com o Bolsa Família. E sabem por quê? Porque eu sei o que é passar fome”.

Entalado entre um discurso de Dilma que se dirigia às classes sociais mais pobres, que representam mais de dois terços dos 142 milhões de eleitores, e pelo programa e imagem mais transversais de Marina, Aécio demorou duas semanas a fazer prova de vida. Só o desgaste de Marina lhe permitiu manter a ambição de lutar por estar num segundo turno, ainda que, reconhecidamente, o PSDB tenha mais base de apoio no terreno e mais quadros para governar.

Ao lado da recessão e da corrupção
Paradoxalmente, a recuperação da Presidente nas sondagens acontece ao mesmo tempo que os sinais de agravamento da situação económica se confirmam e os escândalos de corrupção dominam a actualidade. No segundo trimestre, o Brasil entrou em recessão técnica e o Governo fez esta semana uma revisão em baixa das projecções de crescimento este ano para uns modestos 0,9%. O maior parque industrial da América do Sul reduziu a sua produção em 1,5%. A inflação continua alta (6,51% em Agosto). A criação de emprego abrandou (apenas 630 mil de postos de trabalho criados até Junho contra 910 mil no ano passado). E o consumo trava cada vez mais a fundo (o número de carros licenciados até Agosto ficou-se pelos 2,2 milhões, menos 250 mil que em 2012). Dilma que se elegeu em 2010 com o país a crescer 7,5% ano quer reeleger-se apresentando uma taxa de crescimento médio que, na história centenária da República, fica apenas atrás das registadas nos mandados de Floriano Peixoto (governou entre 1891 e 1894) e Fernando Collor de Mello.

Depois, vieram os casos de corrupção. Em 2006, quando Dilma presidia ao Conselho de Administração da Petrobras, a empresa pública pagou 280 milhões de euros por 50% de uma refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Esse valor representava oito vezes os 33,8 milhões que a belga Astra Oil pagara por 100% um ano antes. Dilma disse ter apoiado a compra com base num parecer “técnica e juridicamente falhado”. Mais recentemente, Paulo Roberto Costa, director das áreas de abastecimento e refinação da Petrobras entre 2004 e 2012, denunciou um esquema de financiamento de políticos com dinheiro arrecadado na sobrefacturação de obras. “Paulinho”, como lhe chamava Lula, fez um acordo de delação premiada, que lhe reduz a pena, e apontou o dedo ao ministro da Energia, a três governadores, entre os quais o do Maranhão, do Rio e Eduardo Campos, seis senadores, incluindo Renan Calheiros, presidente do Senado, e a 26 deputados federais.

Para Aécio e para Marina, esta pareceu ser a oportunidade que faltava. “O mau cheiro disso tudo é maior do que qualquer cortina de fumaça que possa ser lançada para desviar a discussão”, disse Marina Silva. Mas, mesmo que a corrupção seja, de acordo com o citado num estudo da Datafolha, a terceira pior chaga para os cidadãos, o caso da Petrobras não mudou o rumo da campanha. Wanderley Guilherme da Costa “duvida” que “este tipo de contexto tenha impacte significativo na eleição”, até porque, recorda, “nunca teve nas anteriores”. Como lembrava Zuenir Ventura, em O Globo, “em 2005, o mensalão do PT, com toda a repercussão negativa que teve, não impediu a reeleição de Lula no ano seguinte, nem a eleição da própria Dilma, que usa agora o mesmo argumento do seu tutor: não sabia de nada”.

A imunidade de Dilma ao desgaste da corrupção e da anomia económica pode ser explicada pela falta de rasgo das propostas dos seus adversários. Para a economia, Marina fez a diferença ao defender a independência do Banco Central do Governo. Nos programas sociais, a bandeira do PT, ninguém ousa propor mudanças. Na saúde, que, pelos estudos de opinião é a principal preocupação dos brasileiros, Marina propôs um aumento dos gastos do Estado até 10% do PIB, mas de imediato Dilma lhe perguntou onde iria encontrar mais 54 milhões de reais (17.4 mil milhões de euros) para a concretizar. Na educação, nada, nem nos transportes, sectores para os quais os brasileiros pediam há meio ano equipamentos com o “padrão FIFA”. “A campanha eleitoral de 2014 parece superar tudo o que já foi feito neste país, até agora, em matéria de embuste”, escreveu o colunista J. R. Guzo, na revista Veja.

Desgastada mas não vergada, Dilma vive de rendimentos. “Os eleitores vêem que o Brasil de Dilma parou quando comparado com Lula”, diz Adriano Oliveira, mas por reconhecimento ou por receio de aventuras, apostam na continuidade. Os cerca de 22 milhões de eleitores mais pobres (a classe D) votam nela maciçamente, na convicção de Adriano Oliveira. É nesta camada da população que está a maioria dos beneficiários do Bolsa Família, que abrange 23% dos eleitores. Depois, o PT é ainda o partido adoptado por parte da influente classe C, com rendimentos entre 103 e 361 euros mensais, que representa 53% da população. Num estudo recente do instituto Datapopular, 83% da classe C acredita que o Brasil estará melhor para o ano e 63% dizem que a sua vida melhorou no último ano, embora só 41% subscrevam o mesmo em relação ao país.

Para alguns observadores mais críticos, o Bolsa Família tornou-se o “maior colégio eleitoral do país”. Os programas sociais que, desde a habitação à saúde ou ao ensino abrangem 84 milhões de brasileiros, tornaram-se um bastião eleitoral de Dilma. “Os programas sociais criaram fidelidade eleitoral, mas não devemos ver isso como clientelismo”, antes como uma espécie de reconhecimento que, nas democracias, determina o sentido de voto dos eleitores, precisa Adriano Oliveira. Wanderley Guilherme dos Santos nota “que na Suécia, política social é política social, mas no Brasil é paternalismo do Estado”. De resto, o aumento dos padrões de vida da classe C trouxe um novo nível de exigência. “Parte da classe C e B acha que Dilma parou o país e quer mudança”, nota o cientista político do Recife.

Sem que esteja em causa um confronto entre diferentes extractos da sociedade determinados pelos rendimentos, o que as presidenciais de 2014 no Brasil revelam é, no entanto, uma oposição entre um mundo rural e suburbano mais pobre e uma classe média ascendente. Os estudos de opinião mostram que Dilma e o PT dominam nos primeiros, que Marina capta o desejo de mudança dos mais jovens, da classe média emergente e dos empresários (o seu anúncio como candidata provocou o maior disparo na Bolsa de São Paulo desde Março de 2013) e Aécio da classe média mais tradicional dos grandes centros urbanos do sudeste e do sul do Brasil. Na tentativa de romper as barreiras eleitorais, Marina tentou ser Lula e Aécio ao mesmo tempo, Dilma centrou-se na sua base de apoio popular e Aécio ficou sem narrativa. Só a tentativa de desconstrução do perfil de Marina a que se dedicou, e o PT também, podem evitar a sua derrota já a 5 de Outubro. 

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