Photomatons de heróis de acção

O que vale a pena ver no filme, é isto: actores cheios de passado, fixados pela câmara como num photomaton tirado no momento de um último "hurrah".

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Os Mercenários 3: o passado deles, a aura, e o estado em que estão agora

A saga dos Mercenários começou muito bem. O primeiro episódio – realizado por Stallone – levava à letra a ideia de um action movie melancólico, e aplicava na perfeição o princípio “poético” subjacente: trazer de regresso à “acção”, encarnando um grupo de personagens batido e amolgado pelas aventuras e pelo tempo, um conjunto de actores que, para o dizer simplesmente, já vira melhores dias.

Dias de maior popularidade, de maior vigor físico, ou apenas dias em que essa especialidade do action movie – feito de tiros, pancadaria, proezas físicas - tinha outro impacto nos gostos populares. Stallone vinha da revisão – tipo “pequeno Clint Eastwood” – de algumas das suas personagens mais célebres, como Rambo ou Rocky Balboa, e os seus envelhecidos Mercenários vinham em perfeita sintonia com esse programa de autor (sem aspas: é evidente que era, e é, um programa de autor). Havia um lado “vencido”, que soava inteiramente sincero, uma nonchalance reflectida em diálogos óptimos, e um entendimento da dimensão física da acção (por oposição a uma dimensão “virtual”, hoje prevalecente) que era, em tudo o que tinha de démodé, de uma coerência absoluta. Coisas que perderam um bocadinho de sentido, ou pelo menos de frescura, no segundo episódio, que metia a melancolia numa gaveta e trazia de volta uma certa gabarolice – afinal o primeiro filme fora um sucesso, este pessoal podia estar velho mas ainda não estava enterrado.

Essa frescura não se recupera neste terceiro episódio (de novo, tal como o segundo, dirigido por Patrick Hughes a partir de um argumento idealizado por Stallone), que tem as cenas de acção ao mesmo tempo mais espectaculares e menos imaginativas de toda a série (por paradoxal que pareça assim dito) e é muito mais, mais até do que o segundo, um action movie razoavelmente canónico e nem por isso muito “reflexivo”. Apesar de, como se vê pela longa cena final no bar, já com a acção “resolvida”, se tentar recuperar um pouco do espírito original e trazer a camaradagem de velhos combatentes para primeiro (embora nada haja de parecido com os sofridíssimos monólogos de Mickey Rourke no primeiro episódio). Então, se assim é, porque é que isto continua a ter uma certa graça? Resposta simples: porque não existe hoje no cinema americano nenhuma outra série que dê tanta importância e que dependa tanto do “lastro”, do lastro que os actores trazem e transportam com eles para as personagens – o passado deles, a aura, e o estado em que estão agora. É ver, por exemplo, Harrison Ford, pela primeira vez, a aparentar os 70 anos que já tem, sem disfarçar e com um certo regozijo. Ou o cinquentão Antonio Banderas a reviver aquela euforia “hispânica” do Zorro. Ou Schwarzenegger, enfim livre das obrigações de Governador da Califórnia, a passear a barba de três dias, o charuto e a camisa desembarrigada. E depois, algo perfeitamente dentro do espírito da série, o modo como Stallone convoca tudo o que é proscrito - de Wesley Snipes (que passou uma temporada na prisão entre 2010 e 2013) ao desgraçado Mel Gibson, a trazer uns pozinhos da sua faceta mais inquietante para uma personagem de vilão muito bem conseguida. Stallone é o mestre de cerimónias, no centro do filme a receber os seus convidados em cenas que, frequentemente, funcionam por pares: agora Stallone e Ford (“ainda arranjas uma trombose”), depois Stallone e Schwarzenegger, depois Stallone olhos nos olhos com Mel Gibson. E o filme, o que vale a pena ver no filme, é isto: actores cheios de passado, fixados pela câmara como num photomaton tirado no momento de um último “hurrah”.

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