Morte de jovem negro por polícia expõe desigualdades raciais no Missouri

Polícia da cidade de Ferguson acusada de discriminação sistemática e de comportamento violento.

Polícia deslocada para as manifestações pela morte de Michael Brown
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Polícia deslocada para as manifestações pela morte de Michael Brown Mario Anzuoni/Reuters
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Manifestante pede justiça pela morte do jovem negro Scott Olson/AFP
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Testemunhas dizem que Brown tinha as mãos no ar quando foi atingido a tiro. Os manifestantes têm repetido o gesto Scott Olson/AFP
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Os p Scott Olson/AFP

A morte de um jovem negro por um polícia em Ferguson, no estado do Missouri, pode ter sido a chama que pegou fogo a um rastilho de tensão que expôs o desequilíbrio entre as forças policiais, esmagadoramente brancas, e a população, de maioria negra.

Enquanto a cidade viveu um quarto dia de protestos marcados por violência e uso de gás lacrimogéneo, o desequilíbrio racial entre a população e a polícia era cada vez mais apontado. Os negros são 67% da população de Ferguson e 94% dos polícias são brancos.

Isso reflecte-se no tratamento de uns pelos outros: a polícia de Ferguson pára no trânsito duas vezes mais afro-americanos do que brancos, por exemplo. Até há um nome para isso: “Toda a gente nesta cidade já foi vítima de DWB [Driving While Black, conduzir sendo negro]”, disse Anthony Ross, 26 anos, ao Washington Post. “É muito hostil.”

Questionado sobre as disparidades numa conferência de imprensa, o chefe da polícia de Fergunson, Thomas Jackson, reconheceu que há “uma comunidade que está antagonizada connosco”. Mas disse que tem mantido “uma luta constante” para aumentar a diversidade na força policial, apontando a promoção de oficiais afro-americanos.

Até há 20 anos, a cidade de Ferguson era predominantemente branca mas o declínio económico levou os brancos mais ricos para os subúrbios (22% dos habitantes do Missouri vivem abaixo da linha de pobreza). Mas nos cargos importantes e nas posições de poder, estes continuam a grande maioria. O presidente da câmara e quatro dos cinco membros do executivo com perfis no site da Câmara são brancos, nota o diário britânico The Guardian. Os juízes são brancos, os procuradores são brancos. “Numa sessão do tribunal de tráfego, há um juiz branco, um procurador branco, e uma fila de negros à espera de pagar as multas”, conta Patricia Bynes, democrata (e negra) da Assembleia Municipal. “Isto fomenta o ressentimento.”

Nas ruas, há quem diga que a morte de Brown e a onda de protestos podem levar a uma mudança. “Podemos usar isto como uma oportunidade”, dizia um dos manifestantes, Charles Jolley, ao Guardian. “Podemos tomar as rédeas da nossa comunidade. Isto é uma guerra, e nós somos soldados na linha da frente.”

Força excessiva?
A ira dos manifestantes está a crescer também porque as autoridades se têm recusado a dar algumas informações sobre o caso da morte de Michael Brown, um jovem de 18 anos que estava desarmado no momento em que recebeu os disparos do polícia. Não revelaram o nome do agente que disparou, dizendo que as vantagens trazidas pela revelação seriam menores do que o perigo para a segurança do polícia. O agente está suspenso e o caso a ser investigado pela polícia federal. Também não foi ainda revelado com quantos tiros foi Brown atingido.

A rádio NPR dizia que os protestos de quarta-feira começaram pacíficos com o slogan que se tornou habitual – “No justice, no peace” – e que escalaram depois da chegada de três blindados da polícia. A multidão começou a ficar inquieta, e voaram cocktails Molotov de um lado, gás lacrimogéneo do outro.

Relatos da detenção de dois jornalistas vieram sublinhar a actuação musculada – ou exagerada – da polícia.

Wesley Lowery, do Washington Post, e Ryan Reilly, do Huffington Post, estavam a trabalhar num McDonalds quando a polícia entrou e mandou as pessoas sair. Os dois começaram a gravar o que estava a acontecer e, tendo demorado tempo demais a arrumar as coisas, foram detidos por agentes de capacete e coletes à prova de bala – um polícia empurrou Lowery contra uma máquina de bebidas, outro pegou na cabeça de Reilly e lançou-a contra a vitrina.

Foram acusados de resistir à prisão, algemados, e levados para uma cela. Pouco depois de um jornalista do Los Angeles Times ter telefonado a pedir um comentário ao chefe da polícia, foram libertados.

A prisão dos dois repórteres tem, para além da agressão, um catálogo de irregularidades: os jornalistas receberam ordens ilegais (para pararem de filmar), foram acusados de resistir à detenção ao demorar um pouco, não tiveram direito a relatório nem a informação sobre os agentes que os detiveram. 

"Foi assustador embora soubesse que ia ficar tudo bem", disse Lowery.  “Mas há muita gente aqui em Ferguson que não tem tantos seguidores no Twitter como eu e não tem ninguém que ligue à polícia e os tire da prisão.”

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