Quando Um Toque de Pecado passou em Cannes, a violência desenhada, gráfica, coreografada, lembrou a alguns Takeshi Kitano - talvez porque um dos coprodutores é a empresa do japonês; a outros, Tarantino. O título cita o sublime A Touch of Zen (1971), de King Hu, forma de Jia devolver às personagens as armas das artes marciais para exprimirem o seu desespero. Quatro histórias, um painel sobre a China actual, retratos da raiva: um mineiro revoltado contra a corrupção dos líderes da sua aldeia; um operário maravilhado pelas possibilidades da sua arma de fogo; uma empregada de sauna levada até limites sanguinolentos por ser confundida com uma prostituta; um jovem operário que escolhe atirar-se de uma varanda por não suportar mais as humilhações. Os cineastas chineses têm estado obsessivamente a dar conta das mudanças no país, uma sociedade impregnada de violência - a violência começa na forma como os limites da humanidade são esticados até à ruptura, até à produção de uma nova inumanidade. Jia começou por olhar para isso de forma atónita: o susto silencioso perante a iminência de uma catástrofe com consequências humanas devastadoras - Plataforma (2000) era isso. Um Toque de Pecado é já filme de grito. Com distorção: há qualquer coisa da ordem da mutação - Jia com pedaços de Takeshi, Quentin ou kung-fu. A forma como dispara, literal e explicitamente, para todo o lado é um gesto político corajoso. Perguntamos é se isso não é (dis)traído pela mutação quase-pop que irrompe. E que nos mostra um Jia algo mal à l''aise com este novo corpo.
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