Maçã bichada

Perto do final, quando volta à Apple pela porta grande em meados dos anos 90, ouve-se o Steve Jobs de Joshua Michael Stern a lamentar-se: que enquanto esteve fora da empresa a Apple se descaracterizou, perdeu o sentido estético arrojado e elegante, passou a produzir objectos indistintos, descurou uma ideia de estilo. É quase como se estivesse a fazer a crítica ao filme de Stern, que nada tem de arrojado ou elegante, em termos estilísticos (ou outros), e é também ele um objecto indistinto como os que Jobs abominava. Há outra coisa que Jobs (Ashton Kutcher) repete incessantemente do princípio ao fim - a necessidade de se ter “uma visão” - que igualmente pode ser usada contra o filme: é que Stern não tem, nem para a sua personagem central nem para as outras, “uma visão”.


Tem interesse por factos, isso sim. Começa em 2001, no momento em que Steve Jobs, já grisalho, apresentava o IPod, e depois volta em flash-back aos anos 70, apanhando o futuro fundador da Apple no seu tempo de faculdade. Todas as etapas, ou enfim, as principais etapas, da afirmação da empresa serão cobertas, até esse momento em que Jobs regressa à Apple como CEO depois de dela ter sido afastado por pressões com origem nos accionistas, preço a pagar por aquilo que começou como pequena empresa de amigos se ter tornado uma grande corporação. Factos a mais: o filme não pára propriamente em lado nenhum, num registo digest que impede que cada situação, cada momento, sejam desenvolvidos de maneira dramaticamente satisfatória. Nunca se vê, por exemplo, o trabalho: com um estalar de dedos aparecem um jogo de computador, o Apple II, o Macintosh. A ideia nem seria exactamente fazer Jobs passar por um mago, mas é evidente que também o retrato dele soa demasiado superficial, tímido na exploração dos recantos mais negros do seu carácter, pouco incisivo na exploração da sua motivação e da sua obstinação. Stern hesita entre o panegírico - se não da personalidade, da “visão” de Jobs - e uma leve dimensão cr? ?tica. Falha ambas, embevecido com a “filosofia” de Jobs, esta assim apresentada de maneira totalmente acrítica, aquela converseta de vendedor sofisticado (o “sonho”, o “coração”, a “visão”) que ele tão bem explorou como mensagem “inspiradora” de cariz quase religioso.

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