Filme socialismo

Uma distopia futurista agit-pop que quer ser filme de género com mensagem social

Elysium é a aspiração: uma estação espacial onde a vida é perfeita e sã, orbitando milhares de quilómetros acima de uma Terra suja, seca, sobre-povoada, empobrecida. Elysium não é, contudo, para todos: é só para o “um por cento” milionário que explora e oprime os 99 por cento que não têm dinheiro nem saída da gravidade terrestre. A saúde é o bem mais precioso desta Terra de 2154, mas só a tecnologia em posse das elites a garante. Que o mesmo é dizer: Elysium, o filme, não fala do 2154 em que a acção decorre, mas fala de hoje, da desigualdade social, do acesso restrito ao que deveria ser um direito universal. Tal como o primeiro filme do sul-africano Neill Blomkamp, Distrito 9 (2009), falava do apartheid, da xenofobia, das questões da imigração sob a capa de um filme de género futurista, Elysium assume-se obra de ficção científica derivativa que quer ter algo a dizer sobre o mundo em que foi criado. E é difícil não ver Elysium sem pensar, por exemplo, nos debates sobre os serviços nacionais de saúde (e, sobretudo, na contínua controvérsia do Obamacare - estamos mesmo a ver os conservadores a chamarem-lhe um filme “socialista”).

Reside aí a primeira singularidade do filme de Blomkamp: utiliza as leis do blockbuster genérico pelo prisma de uma visão resolutamente externa, globalizante, exterior a Hollywood. A Los Angeles de 2154 em que tudo se passa é uma cidade mais latina, misto de favela brasileira e township sul-africana, mais próxima da distopia poluída e colonizada de Blade Runner. A segunda singularidade está na sua criação “lateral” à máquina dos estúdios: Elysium pode ter duas vedetas reconhecidas em Matt Damon (em modo herói-relutante-à-la-Bourne) e Jodie Foster (numa rara performance como vilã), mas as restantes personagens principais são resolutamente não-caucasianas (o sul-africano Sharlto Copley, os brasileiros Alice Braga e Wagner Moura e o mexicano Diego Luna). E Blomkamp reteve toda a equipa criativa de Distrito 9 e o controlo criativo total do filme, financiado independentemente e entregue ao estúdio “chave na mão”.

Há, no entanto, que dizê-lo: o efeito-surpresa de Distrito 9, que chegou a ser nomeado para os Óscares, não é repetível, Elysium parece por vezes mera repetição da fórmula daquele só que com um orçamento maior e vedetas conhecidas. E o facto de Elysium ser abertamente derivativo de tantas outras distopias cinematográficas é ao mesmo tempo fraqueza (o déjà vu não é a coisa mais estimulante do mundo) e força (instalando o espectador numa “zona de conforto” que o filme faz o seu melhor para abanar constantemente). Contra isso, ergue-se a energia despachada de Blomkamp - tudo fica resolvido abaixo das duas horas - e a consciência de que, mesmo com coisas para dizer, é antes de tudo um filme de género e, por isso, deve responder a um caderno de encargos diligentemente e inteligentemente preenchido. Resta saber se Neill Blomkamp consegue aguentar-se ao terceiro filme ou se vai entrar em perda; é pergunta à qual Elysium não responde concludentemente.

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