Zonas de sombra

Um casal em viagem vê-se confrontado com as suas próprias zonas de sombra na terceira longa da russo-americana Julia Loktev.

É muito bonito andar-se por aí à aventura, mas nem sempre os caminhos que escolhemos correspondem exactamente ao que procurávamos. Alex e Nica, os “heróis” de "Um Planeta Solitário", são um casal jovem, cosmopolita, um casal de viajantes por convicção a quem o desconhecido não mete medo. Mas talvez não estejam tão à vontade nas montanhas georgianas como pensam estar: o ser humano tem zonas de sombra que vêm ao de cima quando menos se espera, alterando as condições de temperatura e pressão.

 É isso que interessa à realizadora russo-americana Julia Loktev na sua terceira longa-metragem (segunda de ficção): há um incidente que acontece a meio do filme e que, sem alterar as coordenadas físicas da história, altera as coordenadas mentais deste casal do “primeiro mundo” confrontado com a verdade de um “outro mundo”, bem mais primal, do qual se julgavam alheios.

"Um Planeta Solitário" revela-se assim, de algum modo, como um exercício contextual, “antes” e “depois” desse momento-chave, ao qual Gael García Bernal e, sobretudo, Hani Furstenberg respondem com apreciável entrega, justificando a aposta de Loktev não em acção física, exterior, mas sim na acção interior: o modo como Alex e Nica olham para o mundo à sua volta e como um momento-chave os obriga a redefinir esse olhar. Dir-nos-ão que isso de estar constantemente a redefinir a nossa posição no mundo é uma evidência quase de La Palisse; respondemos que certamente, mas que tudo está na maneira como essa redefinição é revelada e ilustrada. Julia Loktev fá-lo de maneira inteligente e rigorosa, que não agradará forçosamente a bastantes espectadores e que até tomba pontualmente na redundância; mas a enorme inteligência formal de um filme claustrofóbico inteiramente rodado em exteriores e a capacidade singular da cineasta para criar e aguentar ao longo de duas horas uma atmosfera particular de panela de pressão confirmam o seu lugar à parte (e demasiado raro) num cinema americano genuinamente independente em evidente bom momento. Para quem se quiser arriscar nestas paisagens pouco ou nada óbvias, "Um Planeta Solitário" é filme muito recomendável.

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