Novos ricos

A adaptação do clássico de F. Scott Fitzgerald por Baz Luhrmann não resulta a cem por cento, mas O Grande Gatsby é um filme mais inteligente do que dá a entender.

Horror! Pesadelo! Sacrilégio! Baz Luhrmann, o australiano desvairado de Romeu e Julieta (1996), Moulin Rouge! (2001) e Austrália (2008), atira-se de armas e bagagens ao clássico do romance moderno que é o Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald! Em 3D ainda por cima! Vergonha! Arrivismo! Novo-riquismo! Exacto. É precisamente isso. Jay Gatsby, o misterioso estranho a cujas festas orgiásticas toda a Nova Iorque dos anos 1920 pré-Depressão acorre, é um arrivista, um novo-rico - dinheiro “novo”, recém-ganho, de origem misteriosa, por oposição ao “dinheiro velho” familiar. E por trás do aparente arrivismo de Gatsby esconde-se o seu desejo de ganhar a “segunda oportunidade” (que, recorde-se, para Fitzgerald não existia nas vidas americanas) - de recuperar a rapariga que se perdeu, de reescrever a sua história de amor com Daisy Buchanan.


Gatsby, no fundo, é Luhrmann: atira o barro à parede para garantir que o aceitem, enche os olhos do espectador com uma leitura vistosa, operática, barroca do romance de Fitzgerald para melhor chegar à sua essência. Para o australiano, O Grande Gatsby é uma tragédia do dinheiro contra o amor, ou antes, do dinheiro em nome do amor - do amor a Daisy, do amor a Fitzgerald, do amor ao cinema. Por aí, estamos conversados - Luhrmann, que ainda por cima encenou ópera, aposta numa dimensão feérica, teatral, de grandes gestos estilizados. Contra as anteriores adaptações do romance, onde o centro era o romance entre o milionário Gatsby e Daisy, contudo, esta nova versão desvia (sem dar por isso?) o centro de gravidade para aquilo a que se vulgarizou chamar “bromance”: a relação de admiração de Gatsby por Nick Carraway, narrador do filme e primo de Daisy, que vê Gatsby como uma espécie de irmão mais velho que se admira e despreza ao mesmo tempo, como o único incorrupto numa Nova Iorque fútil onde apenas as aparências interessam. Luhrmann encena com inteligência os subtextos do confronto financeiro e social, desacelerando lentamente a história a partir do arranque “amaneirado”, reduzindo a tela do espectáculo ao essencial (dir-se-ia quase teatral) de actores numa sala, ancorando o filme nos ombros de uma dupla certeira - Leonardo di Caprio (Gatsby) e Tobey Maguire (Nick). Mas ao desviar o foco de Gatsby e Daisy para o olhar desencantado de Nick revela as limitações do projecto: numa tragédia gerada pelo amor, as mulheres são meros troféus para serem trocados entre homens, ideais que nunca ganham espessura, reduzindo a Daisy de Carey Mulligan a um mero joguete disputado por concepções diferentes do amor. Sem nunca resolver a contento o equilíbrio entre a feérie vistosa e a tragédia romântica como Luhrmann tinha conseguido em filmes anteriores, O Grande Gatsby não deixa de ser uma tentativa séria de fazer justiça ao romance, respeitosa do espírito mundanamente trágico de Fitzgerald.

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