Anna Karenina

Tem aquilo que podia ser uma boa ideia: a redescoberta do estúdio e do cenário de cartão pintado para contar "Anna Karenina" em registo de teatro musical, uma Anna Karenina de opereta, se quisermos. E até queríamos, mas essa abordagem a um modelo démodé, extinto desde que Max Ophuls morreu (o “espírito vienense” agora é de outro género, vide Haneke...), reduz-se a uma mecânica artificial, onde tudo e todos (a câmara e os actores) se mexem imenso mas de cujo movimento não advém nenhuma vertigem, nem mesmo uma sombra, pálida que seja, de um sentido trágico. Espécie de Moulin Rouge numa Rússia (ainda) branca, fica-se sempre na superfície e num “vistoso” audiovisual que, cortado aos bocados, podia bem confundir-se com um anúncio a perfumes ou coisa que o valha. Adaptando o romance sem qualquer espírito de síntese (o argumento tem autor de peso, Tom Stoppard, mas “quand même”...), esta Anna Karenina é um esvoaçar apressado que aplana tudo e, na sua correria, nunca tem tempo para dar às personagens (Karenina à cabeça) mais do que a ilustração de um destino pré-fabricado. Conselho de amigo a quem dele precisar: procure-se o DVD (que anda por aí) da versão Clarence Brown/Greta Garbo de 1935 para se ver o que é uma Karenina capaz de realmente sangrar - e para mais, feita num sistema (o hollywoodiano) submetido à censura do Código Hays, que proibia o tratamento franco de alguns elementos essenciais (o adultério, o suicídio) da história de Tolstoi. Ao pé dela, velha é a versão de Joe Wright.

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