O vampiro, o vermelho e a Green

Como geralmente acontece em Burton (com as significativas excepções do preto e branco de Frankenweenie e de Ed Wood), a primeira coisa que lhe interessa é mexer com cores. No seu anterior "Alice no País das Maravilhas" (mais mal amado do que merecia) entretinha-se a brincar com a paleta da pintura inglesa e a compor miniaturas pré-rafaelitas em 3D. Agora (em 2D, uff!), mistura as cores do seu mundo com as do psicadelismo, muito pop (e muito pub: há um gag impagável com o logo da McDonald''s), da América dos anos 70 - terra e tempo a que vai dar o vampiro (a preto e branco, por força da maquilhagem) interpretado por Johnny Depp, duzentos anos depois de ter sido encerrado num caixão pela bruxa (Eva Green) que o ama/odeia, como numa screwball através dos séculos. De resto, apenas uma das duas histórias de amour fou que "Sombras da Escuridão" contém, e que nos faz pensar, por coincidências da distribuição, que aquilo que os surrealistas viam no "Monte dos Vendavais" encontra-lo-iam mais depressa aqui do que na desenxabida versão de Andrea Arnold que agora estreia. Mas sempre as cores: o vampiro é a preto e branco, a bruxa é de todas as cores, verde (até no nome...), azul, vermelha. Vermelha sobretudo, a cor capital, puxado ao extremo da sua sensualidade e do seu simbolismo. Erótico, inclusive: Sombras da Escuridão é mais carnudo do que o Burton habitual, tem uma cena de sexo que é um autêntico monte dos vendavais (o estado em que fica o quarto da bruxa depois dos procedimentos) e, totalmente desconcertante pela sua franqueza quase ordinária, sem par noutro filme de Burton, aquele momento em que Eva Green despe as cuecas (vermelhas, claro) para as depositar no rosto do vampiro amarrado no seu caixão, para que ele tenha alguma coisa em que pensar durante os anos de clausura.


Este erotismo psicadélico compensa bem o ar apressado de boa parte do filme (desde Sweeney Todd que Burton não faz um filme que seja também uma grande “forma”), o desenho mal aproveitado dos secundários (onde pontifica a ex-Catwoman Michelle Pfeiffer), reduzidos a uma espécie de “família Addams” em traço um pouco mais grosso do que seria desejável. E não se perde pela demora, porque o final - os dois finais: são duas, como dissemos, as histórias de amour fou a resolver - é memorável. Corações arrancados do peito, mergulhos no abismo, a maldição (escolhida) como único lugar onde o amor se pode encontrar. Amor e morte: pensamos outra vez num imaginário surrealista, percorrido em todas as colorações e feitios. É um poeta, Burton, e alma dele não se contém nem em filmes relativamente menores como este.

Sugerir correcção
Comentar