A Dama de Ferro

Quem diz “a dama de ferro” diz a “cidadã Thatcher”, filmada no momento em que, pela velhice e pela doença, o mundo vai lhe vai fugindo dos pés. Trabalhar a “autobiografia de Margaret Thatcher” a partir deste sentimento de perda não seria o caminho mais óbvio, mas até por isso resulta forte e plenamente conseguido. Tudo é questão de memória e memorabilia, desencadeada aos sopetões por madalenas e rosebuds: há sempre um objecto, uma foto, um velho presente, a conduzir a entrada de cada flash-back, sempre uma espécie de sonho, como se fosse Thatcher perante o super 8 da sua vida, projectado dentro da sua cabeça. Com este esquema, Phyllida Lloyd chega à mais elegante forma de não-comprometimento: o filme consegue a proeza de estar inteiramente com a sua personagem sem dizer nada, de bom ou de mau, sobre a sua obra política (que fica como um ecrã em branco, onde todos, os thatcherianos e os não-thatcherianos, verão aquilo em que acreditam). Estranhamente recomendável, nestes seus modos de variação BBC (ou Channel 4, mais exactamente) sobre uma elegia sokuroviana (o plano final, durasse mais uns minutos, e podia mesmo vir de um daqueles filmes de Sokurov onde grandes vultos da política do século XX parecem inusitadamente desorientados). E recomendável para além da enésima prodigiosa interpretação de Meryl Streep, que o é de facto (prodigiosa).

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