Bela colecção de “underdogs”

No caso a palavra “money” substitui a palavra “base” (é um filme sobre o basebol), mas com “moneyball” podia-se falar de qualquer desporto com bola. Ou mesmo de qualquer coisa, com ou sem bola. Não por coincidência, o filme de Bennett Miller conta uma história de “modernidade”, um episódio simbólico da troca de um mundo por outro (aquele em que estamos agora). Quando, algures no princípio da década passada, o “general manager” (interpretado por Brad Pitt) duma equipa pobretanas da liga americana de basebol (os Oakland Athletics), incapaz de reunir o orçamento necessário para renovar o plantel com jogadores de qualidade reconhecida, “adoptou” um jovem “geek” fanático da estatística, capaz de reduzir o basebol ao trabalho de algoritmos e equações. Os jogadores deixam de ter nome, deixam de ter manias, deixam de ter estilo: só interessa, e só vale, a espécie de “índice de rentabilidade” que sobre cada um a estatística indicar. Renovando o plantel com esta lógica, os Athletics conseguiram, apesar do magro orçamento, bater o record de vitórias consecutivas (20) que prevalecia há décadas. Depois, as grandes e ricas equipas seguiram-lhe o método.

Bennett Miller não é o pior ilustrador do mundo, e as personagens são simpáticas. Pitt, o miudo analítico (Jonah Hill), o treinador que anda um bocado a apanhar bonés no meio daquilo (Philip Seymour Hoffman), a colecção de coxos e enjeitados, em quem só a estatística parece acreditar, que compõe o plantel. É uma bela colecção de “underdogs”, impossível ao espectador não se sentir “irmão” de todos eles. Mas Miller, se não ilustra mal, também não vê bem o filme sobre o qual estava sentado. Ou não seria tão antipático - nem que seja só por omissão - com os grandes vencidos desta história: os velhos “scouts”, com um conhecimento feito de tarimba e muitos anos no terreno, incapazes de perceber a conversa da estatística e da rentabilidade, e particularmente sensíveis a questões de estilo. A melhor cena é, logo ao princípio, uma reunião com eles todos, belo momento de “casting” (só rostos e vozes como que tirados da rua, sem qualquer espécie de pinta de “movie star”). Depois, são varridos do filme, e presumivelmente da profissão, até com alguma acrimónia no caso do chefe dos “scouts”. É possível imaginar um punhado de cineastas americanos que não deixaria passar em claro esta situação, e saberia ter pelo menos uma maneira de olhar para esta gente que deixou de ter um valor e uma função na mudança do paradigma. Infelizmente, esses cineastas estão todos mortos. Miller, embevecido com a “história de sucesso” do “underdog”, limita-se a avançar, não especialmente mal nem especialmente bem (“Moneyball” é, digamos, cinema de “linha branca”), rumo à confirmação da sua vitória, o “suspense” dos jogos temperado por algum “insight” biográfico (os flash-backs da sua carreira de jogador) e psicológico (a relação com a filha e a ex-mulher) que não adianta nem atrasa para além de satisfazer a necessidade de “encher” a personagem. Confirmação da vitória que é objectivamente mensurável: tem o valor inscrito no cheque que os Red Sox, no fim, lhe oferecem. Sem ironia, que o filme também não tem nenhuma.

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