O princípio da macacada

Uma tentativa de ressuscitar um "franchise" adormecido? Sim, mas sobretudo uma eficientíssima história de Frankenstein onde o que conta são os dilemas morais e não os efeitos especiais

Se abstrairmos do marketing que parece cada vez mais nortear as decisões dos estúdios americanos, descobrem-se objectos francamente interessantes que, na sua modéstia eficaz, não destoariam numa qualquer retrospectiva de filmes de género. É o caso desta "prequela" da saga do "Planeta dos Macacos", hoje mais recordada pelo excelente filme original de 1967 (escrito por Rod "Quinta Dimensão" Serling e um dos papéis mais emblemáticos de Charlton Heston) do que pela "remake" anónima que Tim Burton dirigiu em 2001.


Em rigor, em rigor, "Planeta dos Macacos - A Origem" poderia existir autonomamente da série. No essencial, é uma história de Frankenstein sobre as consequências da ciência levada longe demais, com uma possível cura para a doença de Alzheimer a dar origem a um chimpanzé de inteligência e emoção comparáveis às humanas, mas trabalhada (com algumas piscadelas de olho inteligentes) como "ponto zero" dos acontecimentos que irão resultar nas vicisstudes de Charlton Heston no filme original (o princípio da macacada, se quisermos). E é assinalável ver hoje em dia um filme onde os dilemas e as questões que se exploram são essencialmente morais - o que significa o conceito de identidade, quais os limites éticos da ciência, o que significa ser humano?

O inglês Rupert Wyatt dirige tudo com assinalável eficácia e contenção (ena, um "blockbuster" quase sem efeitos especiais de cidades destruídas!), e com uma mais-valia de luxo: a presença do inglês Andy Serkis a dar vida e alma ao chimpanzé César, que propulsiona o filme e lhe dá uma gravidade que o marketing nunca seria capaz de lhe emprestar. Serkis está, aliás, habituado a este tipo de interpretações "escondidas" em animação digital - foi ele o Sméagol do "Senhor dos Anéis" e o King Kong de Peter Jackson. Não chega para fazer desta "Origem" um grande filme - há uns quantos "buracos" de plausibilidade demasiado gritantes para passarem despercebidos, sempre que não há macacos em cena a coisa arrasta-se - mas a ausência de 3D, a modéstia assumida, a eficácia desempoeirada elevam-no ao grau de pequena surpresa. Geralmente, espera-se pior de uma tentativa de ressuscitar um franchise adormecido...

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