Discurso do Rei

Há que distinguir entre "clássico" e "conservador", palavras que podem ter significados em comum mas não são necessariamente sinónimas. "O Discurso do Rei" é um filme clássico no modo como se articula de acordo com regras narrativas e padrões estéticos tradicionais, sem ser forçosamente conservador (os ângulos forçados com que Tom Hooper filma as suas personagens, enquadradas nas geometrias sociais que balizam a Inglaterra dos anos 1930, servem ao mesmo tempo para subverter o classicismo e para sublinhar o estatuto de "inadaptados" destas criações).


"O Discurso do Rei", história verídica do modo como o Duque de York, futuro Jorge VI de Inglaterra (e pai da actual rainha Isabel II), venceu a sua gaguez, é tão clássico que está mais próximo do telefilme de prestígio da BBC - o que está longe de ser um insulto porque tomara muitos (tele)filmes serem como a ficção de época britânica (e Hooper é rapaz formado nessa escola). Só que vai um passo muito longo de um telefilme acima da média a um êxito de bilheteira que parte à cabeça do pelotão dos Óscares. E aí a coisa já fia mais fino. Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter, Derek Jacobi, Timothy Spall, Guy Pearce são actores notáveis - mas não fazem mais do que aquilo que sempre fizeram (Firth ia tão melhor o ano passado no "Homem Singular" de Tom Ford, que explorava melhor a sua reserva natural do que este papel de aristocrata inglês que ele faz com uma perna atrás das costas). A história é bem contada e bem apresentada - mas daí a considerá-la "um dos melhores filmes do ano" vai um passo que só um marketing particularmente afinado permite. É um filme bem feito mas anónimo, cuja popularidade junto dos votantes dos Óscares e dos espectadores anglo-americanos se encaixa na perfeição numa ideia conservadora do cinema partilhada por muita gente: uma boa história, bem contada, com bons actores. Nada contra. Mas isso não chega para distingui-lo com os encómios que tem recebido.

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