O elogio do artesão

Anton Corbijn dirige George Clooney num "thriller" paranóico desacelerado até ao silêncio e colorido pelo existencialismo. Uma surpresa

Ai das fãzocas que vierem a "O Americano" à espera de ver o George Clooney elegante e sedutor que é uma das suas imagens de marca. Ai dos fãzocas que vierem a "O Americano" à espera de ver o Clooney duro e descontraído que é outra das suas imagens de marca. A carinha laroca não dura sempre, o talento de actor é algo mais duradouro, as escolhas que tem feito como actor e produtor estão cheias de atalhos e desvios que revelam uma inteligência particular em movimento.


Caso em questão: "O Americano", adaptação de um romance do inglês Martin Booth, no papel filme policial sobre um criminoso de elite que tenta evadir misteriosos assassinos enquanto cumpre o último contrato que lhe dará o bilhete de saída do mundo em que se move. Mas Clooney, igualmente produtor, entregou o filme aos bons ofícios de Anton Corbijn, o fotógrafo holandês responsável por imagens icónicas dos U2 ou Depeche Mode, passado à realização com o magnífico "Control", sobre a vida e morte de Ian Curtis, líder dos Joy Division.

O que sai deste encontro improvável é fascinante - não apenas pela austeridade e atenção ao detalhe do resultado final, mas também pela postura desafiadoramente "fora" (de tempo, de moda, de tudo) que assume. É um "thriller" paranóico dos anos 1970 desacelerado quase até ao silêncio, estudo tonal sobre a solidão inteiramente apoiado nos ombros de Clooney numa performance de uma intensidade compacta e quase muda, filmado por Corbijn com olho de fotógrafo mas alma de cineasta. Meditação existencialista onde se cruzam o elogio do artesão, o orgulho numa tarefa bem feita, e a insegurança da solidão, a dúvida metódica que ela instala, "O Americano" recorda a espaços as paisagens angustiadas do soberbo "Profissão: Repórter" de Michelangelo Antonioni - com o qual partilha aliás não apenas algum ADN metódico mas também um olhar desencantado, lasso, sobre o mundo que nos rodeia.

O guião de Rowan Joffe contrapõe a esse existencialismo "fin de siècle" que Clooney corporiza uma dedicação calvinista, quase maníaca, ao trabalho que levanta pistas interessantes que o filme se contenta em deixar apenas aflorado. Esse é, aliás, parte do "modus operandi" de Corbijn: deixar o máximo de pormenores difusos, indistintos, procurar um modo puramente cinemático, sensorial, de envolver o espectador na história divulgando o mínimo de detalhes, disseminando pistas falsas que podem não levar a lado nenhum. É aí que os espectadores que vierem à procura de um "thriller" mais "convencional" se vão sentir defraudados - "O Americano" recusa-se a enquadrar-se no que se espera dele, nem veículo à medida de uma estrela em velocidade de cruzeiro nem filme de autor europeu, mas um objecto que flutua descontraidamente num limbo algures entre ambos, que pouco se interessa pelo que se quer fazer dele. É um belo filme que confirma que Corbijn não é cineasta de um só filme e que Clooney é muito mais do que uma simples carinha laroca.

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