O Caso Farewell

A primeira singularidade de "O Caso Farewell" é a aparência de filme de espionagem tradicional, documentos trocados para a frente e para trás em plena Guerra Fria, conflito de super-potências por procuração. É algo de tão radicalmente "fora de moda" que chega a ser radicalmente novo voltar atrás numa paisagem cinematográfica que determinou unilateralmente que já ninguém quer saber destas coisas. A segunda é encontrar como actor, no papel principal de um oficial dos serviços secretos soviéticos que decide começar a passar informações para o Ocidente, Emir Kusturica.


O grande sacerdote do caos balcânico surge nos exactos antípodas da sua imagem de marca truculenta, numa prestação sóbria e surpreendentemente justa. Mas o que interessa a Christian Carion, ficcionalizando sobre um caso verídico ocorrido na Moscovo dos anos 1980 em que o informador russo passava documentos através de um engenheiro francês apanhado na engrenagem, é encenar o teatro da espionagem não enquanto combate de ideologias mas como uma espécie de jogo lúdico à volta de coisas sérias, jogado por pais de família apanhados numa situação que os transcende e sem verdadeira noção do que estão a fazer, pretendendo apenas garantir uma vida melhor para os seus filhos. Carion não deixa de sublinhar a traço grosso a opção entre pequenas vítimas e poderosos imunes, num final simultaneamente previsível e desconcertante. Mas isso não afecta minimamente o prazer de ver um filme sólido, bem contado e interpretado, com um assinalável domínio do ritmo e da narrativa.

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