Engana-me que eu gosto

Will Smith reencontra o italiano Gabriele Muccino para voltar a explicar como é que se faz um melodrama de fazer chorar as pedras da calçada.

Will Smith deve ao italiano Gabriele Muccino, realizador de "O Último Beijo", a sua mais recente nomeação para os Óscares, pelo enxutíssimo melodrama baseado-em-caso-verídico "Em Busca da Felicidade" (2006). E que a maior vedeta de cinema do mundo escolha voltar a trabalhar com um realizador europeu para um novo melodrama enxuto de fazer chorar as pedras da calçada é algo de significativo. Por um lado, há a vontade de repetir uma experiência que correu bem, mesmo correndo os riscos inerentes à exploração de uma fórmula; por outro, uma admissão que não há, hoje, em Hollywood quem consiga actualizar a este nível de requinte e justeza a fórmula do melodrama clássico.

Muccino sabe que a sua história - um misterioso funcionário dos impostos com um peso na consciência torna-se numa espécie de "anjo da guarda" de pessoas a quem o destino trocou as voltas- cumpre todos os requisitos (e mais alguns) do melodrama de puxar à lágrima e estica a plausibilidade da narrativa até um ponto que, visto a frio, é escandalosamente forçado e com o seu quê de calculismo sonso. É a diferença entre um cineasta que compreende as regras do jogo e trabalha dentro delas, como Muccino, e um que finge fazê-lo para melhor mostrar o seu desprezo pela tradição, como Lars von Trier fez no abominável "Dancer in the Dark": vá de compensar isso com uma sobriedade elegante e um luxo discreto a que se poderia chamar "design italiano". A aposta é em extrair toda a emoção da história e do espectador como quem não quer a coisa, aproveitando a simpatia natural da sua vedeta ao mesmo tempo que o força a um "jogo duplo" sempre à beirinha da manipulação demiúrgica. Onde essa simpatia mascara uma dor profunda levada quase ao ponto da flagelação crística, mas conduzindo discretamente o espectador a compreendê-lo por si próprio, sem nunca sublinhar nada a traço grosso, com uma contenção de tal modo seca que fica paredes-meias com o desarmante.

É essa contenção, muitíssimo bem traduzida por um Smith frágil e torturado (e cada vez mais interessante enquanto actor e produtor) e por uma Rosario Dawson deslumbrantemente delicada, que transporta "Sete Vidas" em crescendo até um final devastador, certeiro no modo como transcende a implausibilidade para tornar comovente o que noutras mãos seria apenas lacrimejante. De pouco importa que "Sete Vidas" se pareça desmoronar uma vez terminada a projecção; enquanto dura, a convicção com que Smith e Muccino se entregam a esta história de generosidade e altruísmo levados ao limite do sacrifício masoquista anulam qualquer resistência. Não é outro "Em Busca da Felicidade", mas é isto que um melodrama tem obrigação de ser.

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