Só queriam voltar a fazer um filme com os amigos

Quando "Este País Não é para Velhos" ganhou o Óscar de Melhor Filme, ninguém ficou mais surpreendido que Joel e Ethan Coen (pelo menos é o que eles dizem). "Foi uma experiência tão estranha" - Ethan. "Oh" (agora é Joel) "Ethan estava tão medicado que acho que nem sequer ouviu anunciarem o prémio."

Por altura da cerimónia dos Óscares, notam os ilustres irmãos, eles já tinham em curso "Destruir Depois de Ler", o "thriller" de espionagem que agora chega às salas portuguesas. Querem, assim, realçar que o novo filme, com argumento escrito por eles próprios, não é uma reacção ao sucesso de "Este País Não é para Velhos". Só queriam voltar a fazer um filme com os amigos. "Era um tipo de história diferente e uma comédia, foi agradável fazer isso depois de termos adaptado um romance" [de Cormac McCarthy], diz Joel ao Ípsilon. "Além disso filmámos em Nova Iorque, portanto estávamos em casa ao contrário de quando estivemos algures no meio do Texas ou do Novo México" [na rodagem de "Este País não é Para Velhos"]

O filme nasceu do desejo de Joel de construir uma história em torno de cinco actores específicos: um velho amigo chamado George Clooney (que está aqui no terceiro capítulo daquilo que os Coen chamam a sua "trilogia dos idiotas", depois de "Irmão, Onde Estás?" e "Crueldade Intolerável"), a mulher de Joel, Frances McDormand ("Sangue por Sangue", "Arizona Júnior", "História de Gangsters", "O Barbeiro" e "Fargo", pelo qual recebeu o Óscar de Melhor Actriz) e os recém-chegados Tilda Swinton, John Malkovich e Brad Pitt - Brad fez parte de um projecto anterior dos Coen ("To the White Sea") que não chegou a ser produzido. E todos tiveram de fazer de idiotas.

Obsessão capilar

"Quando começámos a pensar o que poderia ser a história, ocorreu-nos uma pseudo-espionagem e a coisa evoluiu a partir daí", diz Ethan, "mas é difícil ser específico sobre esse tipo de coisas porque não é exactamente um processo linear." Como nunca estiveram em Washington, onde a história se passa, e como também não conhecem ninguém na capital americana, os Coen inventaram. "Queríamos que fosse um thriller, daqueles que o [realizador] Tony Scott faz mas sem as explosões, só com a câmara a tremer."

Aproveitaram atitudes das estrelas? "Nem por isso," responde Joel. "O que eles habitualmente fazem enquanto actores apenas nos levou a pensar desta forma: 'Oh, o que é ele poderia fazer como pessoa divertida?' Não é um comentário à maneira de ser do actor na vida real."

E é assim que em "Destruir Depois de Ler" temos um agente da CIA (Clooney) e uma médica (Tilda Swinton) juntos na cama, e Pitt e McDormand como dois imbecis Personal Trainers (PT) de um ginásio que estão a tentar vender o que acreditam ser segredos de Estado contidos num disco que tem as memórias de John Malkovich (antigo analista da CIA), que é o marido de Swinton. Clooney anda atrás Pitt e de McDormand que tentam vender as informações contidas no disco ao governo russo.

O filme já é o maior sucesso de bilheteira dos Coen nos EUA. E se bem que esta comédia seja dificilmente um filme candidato a prémios, o cabelo de Pitt, que interpreta um PT com o divertido nome de Chad Feldheimer, merece um prémio por si só. Há uma obsessão capilar nos Coen? Isso começa a notar-se, depois em "Este País não é para Velhos" Javier Bardem ter usado o pior corte de cabelo que algum actor já usou em cinema. "Penso que o Javier teria ficado muito contente em fazer a personagem de Pitt" - Joel ri-se -, "mas o Brad usa aqui o seu próprio e interessante penteado. Não é uma peruca. Para nós o cabelo é como o guarda-roupa. É algo que define a personalidade das personagens. Ao fim ao cabo, fizemos um filme sobre um barbeiro." No ecrã o inquieto treinador que Pitt interpreta parece pelo menos uma década mais novo que a idade real do actor. "Não sei se realmente pensámos sobre isso", refere Ethan. "O Chad é um cabeça vazia, é isso que o faz parecer mais novo."

Pitt pode ter estado a tentar a ultrapassar o seu amigo Clooney no que diz respeito às peculariedades da sua personagem, e conseguiu-o - a sua interpretação (e a de McDormand) é divertidíssima, vêmo-lo solto como o não víamos desde "Thelma e Louise". No entanto, ainda tem que se esforçar para apanhar Clooney enquanto rei dos idiotas. "Gostamos de trabalhar com o George porque é alguém de quem gostamos pessoalmente, tem um grande sentido de auto-ironia e é também muito versátil enquanto actor", diz Joel. "É um daqueles actores, como Frances McDormand ou John Turturro ou Steve Buscemi, para os quais gostamos de andar constantemente à procura de coisas novas para eles fazerem. Arranjámos-lhe uma rede para o cabelo e uma dentadura em 'Irmão, Onde Estás?' e ele puxou as calças para cima em 'Destruir Depois de Ler'. O George gosta tanto de brincar com estas coisas como o público gosta de o ver fazer isso."

A personagem de Clooney é um mulherengo. Cria um vibrador especial para experimentar nas suas conquistas. "Descobri o objecto no museu do sexo em Nova Iorque", recorda Joel. "É uma cadeira onde nos sentamos e pomos os pés nos estribos. Mas criámos uma versão mais simples, porque queríamos ver George a construí-la durante o filme" - ri-se. Já pensaram em Clooney para um papel sério? "Não temos muitos papéis sérios?", responde Ethan, "mas ele esteve muito bem em 'Michael Clayton'. Seria interessante fazer um dia algo assim." Pitt, continua, pode também tornar-se membro do grupo. "Esperamos fazer algo com Brad outra vez. Gostámos de trabalhar com ele e o sentimento é mútuo."

E o que é que eles querem dizer com o filme? Isso é difícil arrancar aos Coen. "Nem sequer sei se pensamos na violência como sendo divertida ou não - apenas serve o seu objectivo. Esperamos que acorde o público de forma semelhante à de quando o Estica dava uma cacetada na cabeça do Bucha. A análise intelectual é algo que nos transcende." (Ethan) O elenco pronuncia-se: "O filme pode ser visto como uma afirmação sobre a paranóia política", diz Swinton, actriz sempre disposta a teorizar, "mas ficaria surpreendida se conseguisse que os Coens admitissem isso". Não conseguimos... Outros vêem o filme como uma tragédia onde as pessoas estão insatisfeitas com as suas vidas - se for assim, o filme propõe um segundo nível de leitura da idiotice. "Isso foi o que a minha mulher me disse", atira Joel. "Quando estávamos a filmar a Fran [McDormand] dizia: 'Isto não é uma comédia, isto é uma coisa muito triste'. 'A sério?', eu perguntava..."

Não lhes perguntem como é o método de trabalho. "Depois do Billy Bob Thornton ter trabalhado connosco, entrou num filme de Barry Levinson e nós dissemos-lhe para não dizer ao Barry nenhum dos nossos segredos. O Billy Bob virou-se para mim: 'Vocês não têm segredos!'. 'Sim', respondi-lhe, 'mas não digas isso ao Barry Levinson!"

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