A casa das crianças perdidas

Laura não está louca nem anda a alucinar. Laura anda a ouvir coisas estranhas na mansão rural onde cresceu e à qual voltou, anos mais tarde, com o marido e o filho adoptivo, para a transformar numa pequena casa de acolhimento para crianças com necessidades especiais. Não ajuda que a casa lhe traga memórias muito especiais - quando Laura cresceu, a mansão era um orfanato e ela era uma das crianças perdidas lá acolhidas. Não ajuda que o filho tenha desaparecido misteriosamente depois de mencionar a existência de novos amigos que mais ninguém vê. Não ajuda que toda a gente ache que ela está louca e anda a alucinar.

Posto desta maneira, "O Orfanato" é mais uma variação sobre a mãe coragem e a casa assombrada que evoca ora "Os Outros" (2001) de Alejandro Amenábar, ora o "Poltergeist" original de Tobe Hooper (1982). Mas é uma variação inteligente, que sempre que parece ir em direcção ao lugar-comum dá uma guinada inesperada. Que se constrói muito mais como uma espécie de "caça ao tesouro", um mistério quase policial que tem de se deslindar e que mantém intacta até ao final a ambiguidade dos elementos sobrenaturais, ao mesmo tempo que instala com elegância e subtileza uma atmosfera quase de conto de fadas, de sonho ligeiramente desfasado.

Não surpreende que o filme de J. A. Bayona tenha atraído o apadrinhamento de Guillermo del Toro, cujo cinema navega em áreas muito semelhantes - e se há alguma coisa de que se pode acusar "O Orfanato" é de ser demasiado derivativo, tal é a quantidade de filmes que o guião de Sergio Sánchez referencia (em alguns casos quase sem se dar conta disso). Mas a construção narrativa é de tal modo rigorosa e inteligente, sem deixar pontas soltas por atar, que Bayona está à vontade para encenar "O Orfanato" não como um filme de terror mas sim como o retrato de uma mulher confrontada com um passado que ameaça roubar-lhe tudo aquilo para que ela vive. E isso, sublinhado pela excelente interpretação de Belén Rueda, que suporta o filme todo às costas, tornao muito mais interessante do que um simples filme de género costuma ser e, de caminho, o melhor exemplo do novo fantástico espanhol desde o distante "Intacto" (2001) de Juan Carlos Fresnadillo.

Claro que todo o "marketing" do filme (e não apenas em Portugal) procura colar-se ao nome de Guillermo del Toro e ao excelente "Labirinto do Fauno" (filme que ganha em estatura com novas visões, embora seja a "Nas Costas do Diabo", de 2001, que "O Orfanato" mais se aparenta). Se isso garantir ao filme de J. A. Bayona a atenção que de outro modo não teria, pois ainda bem, mas "O Orfanato" é fita com identidade própria que merece toda a atenção que se lhe quiser dar.

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