Dias de Glória

Rachid Bouchareb passou anos a tentar montar, sem sucesso, este projecto sobre os soldados das excolónias que combateram por França na II Guerra Mundial mas foram sempre tratados como cidadãos de segunda, sem nunca terem alcançado o reconhecimentoque o Estado e o país lhes devia. No seu caso, a vingança é definitivamente um prato que se come frio: depois de ter aberto o Festival de Cannes em 2006 (onde recebeu o justíssimo prémio deinterpretação masculina para o colectivo do elenco), "Dias de Glória" - dirigido e interpretado por franceses de ascendência argelina - tornou-se num dos maiores êxitos de bilheteira do ano em França (perto de quatro milhões de espectadores) e foi nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ter forçado a revisão das pensões dos ex-combatentes de origem árabe e africana e de os vir defender como parte integrante da identidade francesa em plena crise de umasociedade onde a igualdade, a liberdade e a fraternidade inscritas na constituição parecem ser só para alguns.Mas retire-se-lhe o contexto e a relevância social - certamente importantes mas que, fora de França, perdem a sua urgência - e sobra o quê? Apenas umnormalíssimo filme de guerra de factura clássica dobrado de panfleto humanista, mais funcional queinspirado, competente mas anónimo, bem-intencionado mas inerte, que recicla todas as figuras obrigatórias e avança a ritmo morno, sem surpresas nem rasgos de génio. Em recente entrevista à revista"Sight & Sound", Bouchareb avançava que era sua intenção fazer um filme de guerra europeu quepudesse ombrear com os melhores clássicos americanos do género e que não parecesse "parente pobre" quando comparado a "O Sargento da Força Um", de Samuel Fuller, "Uma Ponte Longe Demais" de RichardAttenborough ou "O Resgate do Soldado Ryan" de Spielberg. É uma ambição louvável mas que nãoconsegue cumprir; se calhar porque já não é possível fazer um filme de guerra dessa maneira, se calharporque este é um filme de guerra com uma mensagem muito específica à qual tudo o resto se subalterniza - e cujas personagens são menos gente de carne e osso do que arquétipos, vítimas docolonialismo mais do que gente com histórias pessoais (cada um deles parece esgotar-se na sua função simbólica dentro do quadro narrativo do filme). O elenco, com Jamel Debbouze e Sami Bouajila à cabeça, investe-se a "fundo perdido" porque era preciso contar esta história, desse por onde desse. Só por isso já é bom que "Dias de Glória" exista; mas não chega para fazer dele um grande filme.

Sugerir correcção
Comentar