Flyboys: os gloriosos heróis das máquinas voadoras

Filme simpático e estereotipado de grandes heroicidades, jogadas no tabuleiro da História bélica dos Estados Unidos, "Fly Boys- Nascidos para Voar" tem, desde logo "contra si", o facto de ter que ser visto no contexto de uma forte tradição hollywoodiana de "filmes de aviação".

Sobretudo na década áurea de 30, muitas foram as obras-primas que escolheram por cenário a aviação e os seus feitos acrobáticos, quer figurando a intervenção na Grande Guerra de 1914-1918, quer acompanhando a exploração dos ares, num pioneirismo que se socorria da capacidade metafórica do cinema para falar de humanas tragédias.

Como iniciador do "género", avulta "Hell"s Angels" (1930) de Howard Hughes, confuso e dramaticamente ineficaz, mas responsável pela criação de extraordinárias proezas de fotografia aérea, para além de excelentes cenas avulsas de romance, revelando a fotogenia escaldante de Jean Harlow. Do mesmo ano, porém, era o prodigioso "A Patrulha da Alvorada", de Howard Hawks, integrando na coreografia dos aviões em luta uma cuidada construção de personagens devedoras de uma leitura complexa do modernismo, desdobrando-se com mais "glamour", mas menos coerência dramática no homónimo "remake" de Edmund Goulding (1938), veículo para o carisma de Errol Flynn e de David Niven. Na mesma década, o mesmo Hawks, ele próprio conotado, aliás (com, entre outros grandes vultos do modernismo americano, o romancista William Faulkner), com a aventura da Guerra, antes da entrada dos U.S.A., em 1917, reincidiria em dois outros monumentos: "Ceiling Zero" (1936) e "Paraíso Infernal" (1939), genial metáfora da coragem e do estoicismo dos aviadores, como vasta leitura do herói moderno, em luta com as suas próprias limitações. Até John Ford, em "Air Mail" (1933), fizera uma incursão notável pelo "género".

É com tais antecedentes que o modesto "Sky Boys" tem que se bater. Não é tarefa fácil, até porque o filme revisita, com rigor histórico, a verídica odisseia da lendária Esquadrilha Lafayette, antecipando a participação dos americanos na guerra, sob comando francês, também objecto do pouco visto, mas fundamental, "Contigo nos Meus Braços / Lafayette Escadrille" (1957) de William Wellman, piloto da dita esquadrilha e autor de outro dos referentes essenciais, "Wings" (1929).

A "Lafayette Escadrille" vai "Fly Boys" buscar a configuração do romance com a frágil francesa, como excurso sentimental e necessário contraponto; sobretudo às duas versões de "A Patrulha da Alvorada" recorre para encenar as coreografias aéreas, aliás um dos seus grandes trunfos. Falta, apesar de algumas boas ideias (o pequeno "plot racista", resolvido com uma garrafa de Cognac, ou as remissões para o "western", com o "cow-boy" protagonista a exibir-se perante a sua amada, ou ainda a secura eficaz do desempenho de Jean Reno, no comandante francês), uma construção de personagens que ultrapasse o estereótipo do microcosmos de combate, a valentia contra o medo. Falta, sobretudo, uma maior tensão dramática que ligasse as peripécias com outra espessura: os excursos campestres puxam para o bilhete-postal, a rimar com o romantismo ultramontano de "África Minha", mas sem a "desculpa" de estarem ao serviço de um melodrama.

Dito isto, não se pense que "Fly Boys" não possui atractivos, até pelo modo como integra a heroicidade na vulnerabilidade de cada uma das personagens ou como evita o lacrimejante nas cenas de homenagem aos mortos em combate. Entre os intérpretes, para da (magnífica) prestação de Jean Reno, destaca-se o "underacting" de James Franco, uma espécie de James Dean (que encarnou em ficção recente) apaziguado e autoconsciente, a dar ao seu papel uma grande densidade de emoções contidas. Feito o balanço, vale a pena "voar" com os heróis da guerra, mas recomenda-se, como trabalho de casa, (re)ver os clássicos da aviação, em glorioso preto-e-branco, do tempo em que "só os anjos tinham asas".

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