Cuba libre

Torna-se sempre muito complicado representar um período da História recente - sobretudo tendo, como este, tantas implicações sentimentais e políticas - sem desnecessárias demagogias ou nostalgias descontroladas. Andy Garcia, de origem cubana, tem razões de sobra para se sentir envolvido neste processo de revisita às memórias de uma cidade "perdida" em discussões ideológicas complicadas e em contraditórias polémicas. Talvez por isso, o actor/realizador tenha querido, socorrendo-se de um argumento de Cabrera Infante, reconstruir em "Havana, Cidade Perdida" a época da revolução castrista, a partir de uma saga familiar, de um artifício ficcional, que desse corpo ao individual no meio do tumulto das paixões que o tema ainda hoje desencadeia. Assim, por meio da história cruzada de três irmãos - um vítima do seu sonho para propiciar uma Cuba democrática e pluralista, o segundo aderente ao grupo fidelista, acabando por suicidar-se, por via dos seus conflitos internos de classe, o terceiro claramente anti-castrista, emigrado e saudoso de uma Havana de música e sonho - organiza-se um programático olhar sobre o final da década de 50, sobre a tirania do regime de Baptista, sobre a revolta da Sierra Maestra, sobre a ascensão ao poder do novo regime totalitário.Até aqui, nada de muito grave. Desculpa-se o excessivo tom lacrimejante e nostálgico; entende-se o ajuste de contas com os exageros de Fidel; até se compreende a tentação do bilhete-postal de uma Havana de cabarés e lugares paradisíacos, para corresponder ao sonho perdido dos que tiveram que partir, com os quais, Garcia obviamente se identifica. O que já é mais grave é o insuportável pendor caricatural com que se retratam Che Guevara ou Baptista (até para que se não diga que estamos a tomar partido), sem qualquer intenção de seriedade histórica mínima. O romance central entre o herói "resistente" (convenientemente interpretado por Garcia) e a viúva da revolução é de um ridículo sem nome. Onde se pretendia enriquecer o tecido ficcional, acaba por se simplificar tudo, num "preto e branco" sem matizes. Curiosamente, Fidel Castro, que seria o inimigo "principal", aparece sempre na sombra ou em imagens documentais, escapando ao tratamento soez de tudo o resto.

O pior é a necessidade de explicar, repetir, mostrar tudo de todos os modos, prolongando o filme quase para além dos limites do fisicamente suportável, rebarbativamente preso a um programa de vencer o espectador pela canseira. Para aguentar a saga familiar, com a qual se aspirava a resgatar o empenhamento político de direita (não que a esquerda cubana mereça muito mais respeito, depois das purgas, e das vinganças pessoais, que se repetiram), precisar-se-ia de uma encenação rigorosa, do talento de um Coppola (por vezes evocado em pequenos pormenores). Ora, Andy Garcia sucumbe sempre à facilidade do panfleto e não nos poupa a nenhum dos lugares-comuns do patético, mais interessado em agradar ao mercado do exílio do que em "agarrar" a História. Nem a figura curiosa do comediante "sem nome", interpretado por Bill Murray, escapa ao cliché simplista. Mais típico ainda é o retrato inacreditável do mafioso de Dustin Hoffman, a dar o tom geral ao filme: óbvio, transparente, ridículo. Ou seja, um indigesto "cocktail", uma espécie de "Cuba Libre" bastante adulterada.

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