O bom, velho "thriller"

Harrison Ford resiste ao tempo e ao desgaste de estrela para todas as estações com a estóica qualidade dos bons vinhos: sempre no tom certo, sempre gerindo com sabedoria os seus dons físicos e a sua reduzida bitola de representação, neutra e controlada, consegue, como nos melhores veículos para ele construídos no passado recente, sair-se airosamente de uma história bem construída, embora algo inverosímil: um perito de segurança bancária vê-se refém de um grupo organizado que lhe sequestra a família, a fim de o obrigar a fazer um desvio avultado de fundos, transferindo-o para uma conta "off-shore" do vilão.

Explorando os meios informáticos de forma bastante primitiva, "Firewall" vale sobretudo pelo modo como filma os interiores, fazendo corresponder ao uso da câmara subjectiva, artificiosamente ligada aos meios de controlo da personagem cujos mínimos passos são seguidos, um olhar emotivo e eficaz sobre a vulnerabilidade humana, dividida entre o dever profissional e a fidelidade familiar.

Se a história avança com quase irritante lentidão, constrói-se, para consumo do espectador condicionado pelas virtudes de um velho "thriller", fora de moda, toda uma panóplia de ingredientes a que nos habituámos: da identificação com o herói, manietado e impotente, à expectativa da transgressão que irá conduzi-lo à vingança e ao final feliz, por que se anseia, desde os primeiros planos da casa de arquitecto, violada pelas câmaras e por uma violência cega e absurda.

Uma das grandes vantagens desta fita repetitiva e algo previsível consiste no modo como aproveita os ambientes concentracionários para neles fazer decorrer uma evolução unitária da acção, sem grandes excursos, nem planos supérfluos. Existe uma imensa economia narrativa, a presidir a cada gesto, a cada "gadget", a cada reviravolta gorada. Todas as peripécias da progressiva inversão das estruturas de poder encaixam no desejo de amarrar o espectador à cadeira, desprovido de vontade própria.

Precisamente porque tudo parece fazer sentido, mesmo quando psicológica ou tecnologicamente não o faz, avulta sempre um sentido inato do divertimento cinematográfico: quanto mais se torna clara a irreversibilidade do triunfo do "bem" (aliás jogado contra regras pouco limpas da fusão corporativa de firmas), tanto mais o prazer da precisão industrial se apossa das formas. Não há grandes efeitos, apenas uma realização "clássica" e competente, em que a câmara parece estar ausente, ainda que a sua omnipresença seja tema e obsessão representativa.

No único desvio, digno de nota, à acção principal, encadeado no plano geral, mas colocado no centro do filme, para dar falsas pistas, o amigo do banco (Robert Forster em papel de pouca envergadura) surge como possível cúmplice do "complot", para depois se desfazer o novelo, com a ligeireza e simplicidade de uma imprevisibilidade previsível. Todos os outros elementos episódicos - a doença alérgica do filho, o apoio da secretária, a instrumentalização da coleira do cão - tudo existe na mesma lógica de fechar o "puzzle", para culminar na sacrossanta cena de pancada final, em que o herói triunfa sozinho dos seus inimigos, para, alquebrado, regressar à felicidade familiar. Em suma, um "thriller" sem grandes novidades mas recheado dos pequenos prazeres do "déjà vu", em dose quase perfeita.

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