Feios, porcos e maus

Fazendo reviver outras ficções políticas de feminismo interveniente do passado, como o muito influente "Norma Rae" (1979) de Martin Ritt, centrado na militância de uma operária sindicalista, "North Country"/ "Terra Fria" possui, desde logo, uma importante particularidade: analisa com raro rigor uma pequena comunidade proletária do Norte dos Estados Unidos sem quaisquer cedências a um embelezamento fácil, não hesitando em colocar a tónica nas contingências do trabalho feminino no contexto fabril.

A história segue coordenadas simples: uma jovem, mãe solteira, deixa a casa do marido porque sofre maus-tratos, volta a casa dos pais e acaba por encontrar emprego numa mina em que o pai também trabalha, sendo sujeita, como aliás todas as suas colegas, a inúmeras humilhações e a constante assédio por parte dos operários homens - que não aceitam que as mulheres assumam funções que acham que lhes são exclusivamente destinadas roubando-lhes postos de trabalho e desafiando a tradicional distribuição de tarefas. Em vez de optar por uma demagógica exploração do argumento, seguindo um neo-realismo simplista e redutor, o filme opta por uma extrema dureza e filma com extrema precisão as precárias condições de trabalho e as instalações degradadas - salas sujas, texturas rugosas, gente feia e desesperada. Vemos as tentativas de violação, as paredes desenhadas com excrementos, os insultos, a cobardia quotidiana dos que se vingam nos mais fracos (neste caso, as mais fracas), para encontrarem lenitivo para uma vida sem horizontes. Tudo muito "realista", sem paliativos de qualquer espécie.

Quando a protagonista (fabulosa Charlieze Theron, sem maquilhagem nem artifícios que "glamorizem" a sua máscara de sofredora) decide afrontar o patronato e os colegas, arriscando o despedimento, vê-se isolada e o filme envereda por um "perigoso" drama-de-tribunal. Já antes se começara a optar pela inserção de "flashbacks", que refaziam a sua adolescência, para culminar na revelação de que fora vítima de violação, da qual resultara a gravidez, por parte de um professor, perante a impotência conivente e cobarde de um colega, que agora faz parte dos seus acusadores, O que é inteligente, em "Terras Frias", é o modo como este dramalhão se conta com simplicidade e contenção. Os "flashbacks" complicam a eficácia, mas acabam por conferir maior complexidade às personagens. Tratando-se, sobretudo, de um filme de actores - ou de actrizes - somos brindados com enormes interpretações: Sissy Spacek compõe, de forma magnífica, uma mãe silenciosa e solidária; Frances Mc Dormand tem a seu cargo uma sindicalista atingida por uma doença degenerativa e é responsável por um dos momentos mais comoventes, quando, no tribunal, protesta, batendo na madeira do banco. O que poderia tornar-se uma insuportável "choradeira" ganha, assim, uma dignidade quase trágica, expondo cruelmente fraquezas individuais e as fragilidades da "maior democracia do mundo". A câmara segue os actores e encena com intensidade e seriedade os pequenos dramas, tornados sinais de exemplo e proveito. Mesmo quando parece escorregar para o docudrama televisivo, "Terras Frias" resgata-se pela força das personagens e pelo rigor do empenhamento.

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