A morte fica-lhe tão bem

É um conto de fadas onde o amor triunfa sobre todos os obstáculos, o Bem é recompensado e o Mal castigado - com a pequena diferença de que muitas das personagens já estão mortas e o grosso da acção decorre no Além, só que num Além colorido, burlesco e sempre-em-festa.

Em "A Noiva Cadáver", Tim Burton, um dos mais idiossincráticos autores do cinema americano, mergulha no universo gótico que se tornou a sua marca registada, para contar a história de um jovem tímido e sensível, que, forçado pela sua família de peixeiros novos-ricos a um casamento de conveniência com a igualmente tímida filha de nobres falidos numa aldeiazinha europeia vitoriana, dá por si, sem saber muito bem como, na Terra dos Mortos, noivo de uma defunta de coração destroçado com um olho que não fica no lugar e um verme sósia do actor alemão Peter Lorre na cabeça. Tudo isto com as vozes das personagens entregues a um elenco de luxo encabeçado por Johnny Depp, Helena Bonham-Carter e Emily Watson, e inteiramente filmado em animação stop-motion, processo moroso em que marionetas são movimentadas um fotograma de cada vez (um dia inteiro de trabalho pode equivaler a um ou dois segundos de filme acabado).

Inspirado numa velha fábula russa, "A Noiva Cadáver" marca a segunda aventura do realizador de Charlie e a Fábrica de Chocolate e Eduardo Mãos de Tesoura na animação stop-motion, depois do aclamado conto de fadas distorcido O Estranho Mundo de Jack. Essa produção de 1993 foi a primeira longa-metragem jamais realizada em stop-motion, e A Noiva Cadáver traz algumas inovações, através do recurso a marionetas concebidas de raiz com uma média de 40cm de altura quando o normal está mais próximo dos 10cm - a isso obrigava o nível de detalhe e sofisticação das articulações e elementos expressivos - e da filmagem com câmaras fotográficas digitais de alta resolução, permitindo um significativo ganho de tempo durante a rodagem.

Tal como já acontecera em "O Estranho Mundo de Jack", dirigido pelo especialista Henry Selick, Burton, que começou a sua carreira no cinema como animador nos estúdios Disney, é aqui mais um director criativo: concebeu a história original e as personagens bem como todo o grafismo e tom do filme e supervisionou a rodagem (que decorreu em simultâneo com a de Charlie e a Fábrica de Chocolate), mas entregou a execução a outros. No caso, o animador Mike Johnson supervisionou toda a realização, o argumento foi desenvolvido por dois colaboradores habituais - John August, já autor de Charlie... e O Grande Peixe, e a argumentista de Eduardo Mãos de Tesoura e O Estranho Mundo..., Caroline Thompson.

Mesmo o luxuoso elenco de vozes, quase todo britânico, de A Noiva Cadáver inclui habitués do universo de Burton, a começar pelo actor alter ego do cineasta, Johnny Depp; a sua mulher Bonham-Carter, presente em todos os seus filmes desde Planeta dos Macacos; e os veteranos Albert Finney (o pai moribundo de O Grande Peixe), Christopher Lee (o pai dentista de "Charlie e a Fábrica de Chocolate") e Michael Gough (o mordomo Alfred nos dois Batman que realizou).

Entre os estreantes no cinema de Burton, encontram-se Emily Watson, revelada por Ondas de Paixão de Lars von Trier, Joanna Lumley e Jane Horrocks, que conhecemos da série televisiva Absolutamente Fabulosas, e a comediante Tracey Ullman (Vigaristas de Bairro, de Woody Allen). Como é habitual nas longas-metragens de animação, todo o trabalho de rodagem ocorreu em cima das vozes previamente gravadas pelos actores.

"A Noiva Cadáver" é o segundo filme de Tim Burton em 2005, tendo-se estreado menos de seis meses após o êxito global de Charlie e a Fábrica de Chocolate - a adaptação do romance de Roald Dahl, com Depp no papel principal, contabilizou entre nós pouco menos de 200 mil espectadores. Isso fará prever uma boa recepção do público português ao humor negro deste conto de fadas onde os mortos se divertem bem mais que os vivos e a Noiva Cadáver, quando confrontada com a descrença do seu insuspeito prometido, lhe diz "Eu sei. É por causa do meu olho que não gostas de mim, não é?"

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