Balada de jack e rose a fábula do hippie retardado

A principal característica de "Balada de Jack e Rose", mais uma fábula ambientalista de proveito e exemplo do que uma balada, passa pela apologia de um isolamento no tempo e no espaço: um pai e uma filha, com uma estranha relação a roçar o incestuoso, são os últimos sobreviventes de uma comunidade instalada numa ilha que começou a ser invadida pelo desenvolvimento urbanístico. Feito por medida para os tiques de "grande actor" de Daniel Day-Lewis, o filme, algures entre o telefilme de doença (Jack tem uma não identificada enfermidade cardíaca) e o veículo artístico, repleto de efeitos, de rodriguinhos, de bilhetes-postais, misturados com preocupações ecológicas, requinta na apresentação de personagens estereotipadas, bem como de situações extremas: cobras venenosas, perdas de virgindades, destruição de casas-modelo, um incêndio final, uma espécie de pira funerária para um mundo e uma mentalidade que já morreram há muito.

O que existe de mais insuportável neste exercício passadista, cheio de boas intenções, com banda sonora a condizer (de Bob Dylan a "I Put a Spell on You", quase como canção-tema), é mesmo a realização desinspirada de Rebecca Miller, filha de "peixe" (o grande Arthur Miller) que "não sabe nadar": falha a unidade da fábula que quer construir, refugia-se numa estética rebuscada de filtros e de planos compostos de forma pretensiosa, opta por uma montagem atabalhoada, que desfavorece personagens pretensamente complexas, mas, sempre, com a ideologia de fora.

A figura do "empreiteiro", dada a Beau Bridges para exibir a sua rábula, funciona como estereótipo total, sem qualquer humor, nem eficácia como vilão. Predomina, neste mundo rarefeito de espécies em vias de extinção, um vazio representativo, uma incapacidade de ultrapassar a comiseração ou a nostalgia sem sentido. Quando entra em cena a família "adicional", a amante de Day-Lewis e os dois filhos, tudo se agrava: entramos numa amostragem de pequenas fragilidades, esboçadas em caricatura.

Aliás, a própria interpretação de Day-Lewis resvala nessa pose caricatural, com um sotaque escocês bem excessivo, a sua dose de tatuagens, uma vulnerabilidade exposta, que contrasta com um autoritarismo sem medida nem sentido: um "hippie" retardado, fora do seu mundo e do seu tempo. Estes ingredientes poderiam, até, ter levado Rebecca Miller a curiosa crónica nostálgica, mas a incoerência reina: a solução final, puxando o filme para o patético telenovelesco, encaixa na confusão geral. Que retrato geracional ou que "mensagem" se pretende veicular? Ou não passará tudo de um aproveitamento demagógico de elementos avulsos, susceptíveis de serem recuperados por jovens "baralhados", para quem a memória transversa dos anos 60 e 70 funciona ainda como miragem?

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