A casa de los babies import/export

John Sayles de regresso às salas portuguesas, acontecimento a saudar. Perderamos-lhe o rasto por altura de "Lone Star", filme de 1996. Voltamos a encontrá-lo agora, depois de uns quantos filmes a que as distribuidoras portuguesas não ligaram patavina. Mas não o encontramos longe de onde o deixáramos em 1996: "Lone Star", recorde-se, era um filme centrado na fronteira entre os EUA e o México, zona difusa, de identidade feita a partir da dissolução das outras identidades. "A Casa de Los Babies", mesmo que supostamente se passe num "país latino-americano não determinado", foi rodado na região de Acapulco, o que determina mais esse tal país latino-americano que o filme pretende manter no anonimato.

Dito de outra maneira: Sayles volta a trabalhar sobre a relação entre os EUA e o seu vizinho do sul, mesmo que o filme tenha espaço suficiente para deixar que se projecte - sem alegorias mas com sugestões - uma reflexão mais vasta sobre a relação entre, digamos, o "primeiro mundo", representado pelo gigante norte-americano, e o "terceiro mundo", interpretado pelo tal país latino-americano não determinado.

Resumidamente, a história fala de um grupo de mulheres americanas, incapazes de ter filhos (por umas razões ou por outras), que se deslocam ao tal país para adoptarem crianças. Segundo as leis locais, para adoptar uma criança é preciso residir no país durante alguns meses, e estas mulheres, quando o filme as apanha, já andam por lá há bastante tempo, sem fazerem mais nada sem ser estarem à espera que o tempo passe. É verdade, "A Casa de los Babies" também se inscreve no sub-género "retrato feminino", variante "de grupo": as senhoras do filme (Mary Steenburgen, Lili Taylor, Daryl Hannah, Maggie Gyllenhaal, Susan Lynch) são magníficas, e por exemplo toda a sequência em que são apresentadas, uma a uma, através do que fazem e dizem e do que as outras dizem de cada uma, é um sinal da mestria de John Sayles a desenhar personagens com meia-dúzia de pinceladas. Sayles, que volta a mostrar-se uma vez mais um habilidosíssimo cultor da montagem paralela. Cineasta do espaço mais do que do tempo, nele a montagem paralela é menos uma maneira de garantir "simultaneidade" do que de conquistar, sempre, mais espaço. Em "A Casa de los Babies" a "acção" (para lhe chamar assim) corre sempre para o lado, o filme parece estar sempre a alargar-se, como se houvesse vários contracampos possíveis. Questão fundamental, aliás: dir-se-ia que o principal no projecto de reflexão de Sayles está em mostrar todos os contracampos da história das americanas à espera dos seus filhos: uma adolescente grávida que quer dar (ou a mãe por ela) o filho para a adopção, um "miúdo de rua" órfão, a dona do hotel (que despreza as "ianquis" mas não o dinheiro delas), um grupo de "revolucionários" patético e impotente, etc. A amargura deste filme tão pessimista nasce daí, dessa espécie de dependência interiorizada por parte dos locais em relação ao negócio de adopção (e é aqui não é ilícito ver alusões políticas mais globalizantes). Se as americanas atravessam o filme numa espécie de indiferença pelo que as rodeia, um grupo de zombies em terra estranha e não-reconhecível, por vezes com tiques de colonizador (a conversa de Marcia Gay Harden com o advogado) do outro lado Sayles só mostra a impotência e a incompreensão. História exemplar, a do miúdo órfão a quem uma das mulheres compra uma revista de BD: o miúdo não sabe ler, e depois de o vermos várias vezes aparentemente intrigado com a revista, encontramo-lo no fim, pela rua, a tentar vendê-la. Em vez de aprender a ler, preferiu iniciar-se no comércio. Não percebeu nada da lição ou, pelo contrário, percebeu-a muito bem?

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