Versão ioga e bollywood

Sabem o que é o "yogic", visão do mundo, lema de vida? Tem a ver com a ideia de que não há negrume que um espírito positivo não possa combater, com a ideia de não há nada que não possa ser levado de forma leve e desempoeirada. Mira Nair, a cineasta de origem indiana, é adepta dessa visão e conseguiria estar horas a falar disso. É o que faz em algumas entrevistas. Mira Nair pratica ioga - já agora, o "yogic" tem a ver com ioga.

Mas não seria preciso ouvi-la falar disso (compreenda-se: pode irritar muito quem não consiga fazer esse lema do "yogic"), basta pensar nos filmes, basta pensar, por exemplo, em "Casamento Debaixo de Chuva". Ou agora, é o que nos interessa, "Vanity Fair", adaptação do romance de William Makepeace Thackeray (1811-1863) sobre uma arrivista e manipuladora, Becky Sharp de seu nome, na Inglaterra do século XIX. É menos um livro sobre ela, na verdade, do que sobre a sociedade inglesa da época - foi escrito em 1847 -, claustrofóbica, cruel, desesperante (Thackeray é o autor de "Barry Lyndon", que Kubrick adaptou ao cinema - filme mal recebido na sua época, mas que deve ser hoje dos títulos mais recuperados do cinema do realizador).

"Feira das Vaidades", o filme, é, então, Thackeray em versão "yogic", com incursões ao musical de Bollywood. Com Reese Witherspoon a fazer de Becky Sharp, o que é o mesmo que dizer que a arrivista tem o pragmatismo digno da saudável parola que a actriz fez em "Legalmente Loura".

Foi nisto que Mira Nair e o argumentista Julien Fellows (o argumentista de "Gosford Park", de Altman), transformaram a ascensão de Becky Sharp - não dizemos "... e queda", porque se no livro Becky acaba sozinha, o seu movimento imobilizado, no filme o "yogic" impôs outro final. De fora ficaram também as zonas escuras da personagem e do retrato. Becky é definitivamente positiva, contorna adversidades e homens e aguenta todas as decepções - nem lhes devemos chamar assim; os obstáculos que não causam mossa, apenas tornam a aventura mais divertida.

Mira Nair e Reese Witherspoon têm defendido o que fizeram dizendo que é uma "leitura" feminista de um romance que, pelo facto de ter sido escrito no século XIX, não valorizou suficientemente as "qualidades positivas" da personagem. O que podemos dizer é que o "yogic" é capaz de transformar em coisa inofensiva - supérflua mesmo - aquilo em que toca.

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