A cantiga de agnès jaoui

Depois da estreia na realização com "O Gosto dos Outros", este é o segundo filme de Agnès Jaoui. Desapareceu o efeito de surpresa, isso é certo, e "Olhem para Mim" (título de eficácia duvidosa face ao original "Comme une Image") assemelha-se - aceitamos que demasiado - à aplicação cuidadosa e calculada da mesma receita.

Não apenas a receita de "O Gosto dos Outros" mas também a do mais célebre argumento assinado por Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri (a dupla mantém-se inalterada, na escrita e no elenco), o de "É Sempre a mesma Cantiga", de Alain Resnais: um mosaico de personagens, vai e vem constante entre umas e outras, encontros e desencontros, umas quantas coincidências, atribuição à música de uma função entre o simbólico e o catalisador. "Olhem Para Mim" repete tudo isso, de facto: parece ser sempre a mesma, a cantiga de Jaoui, e desta vez nem houve muita gente para ir nela, a julgar pela reacção tépida (na melhor das hipóteses) que o filme encontrou em França.

Mas é uma cantiga que tem as suas virtudes, e pelo menos por agora elas ainda nos parecem suficientes para que não se menospreze o novo filme de Agnès Jaoui. No registo de naturalismo quotidiano e "mundano" em que se instala a realizadora, parece-nos mesmo que é difícil encontrar exemplos contemporâneos mais bem sucedidos. Jaoui trabalha muito bem coisas como a saturação, por exemplo, sabe criar climas e ambientes à beira da crise de nervos, em tensão permanente, sem que a coisa dê de si ou siga os rumos mais previsíveis (como se a crise de nervos nunca chegasse): é difícil construir um filme que parece sempre em crispação e mantê-lo, simultaneamente, próximo do espectador, sem que essa crispação se volte contra ele. Há aqui uma operação de "charme", claro, mas é habilidosamente construída, perfeitamente consciente do que está em jogo e de quais são as regras do seu jogo: evocar a "ambiguidade da natureza humana" e servi-la num conjunto de personagens que, se as conhecêssemos do dia a dia, seriam profundamente desagradáveis, mas que aqui, envoltas numa "allure" de cinema, saiem engrandecidas, precisamente porque o espectador sabe o que é o dia a dia. O cinema de Jaoui é cinema "popular", em primeiro lugar, por isso mesmo: pretende funcionar como reflexo da vida que o espectador conhece.

Seria demasiado complicado contar a história do filme, porque na verdade são várias histórias entrelaçadas que metem escritores e candidatos a escritores, uma candidata a cantora, pais, filhos, namorados, cônjuges, amantes e ex-amantes. Em última análise, e se lhe quisermos dar uma caução temática, "Olhem para Mim" seria uma meditação sobre o que há de relativo nas noções de sucesso e de fracasso, sejam elas aplicadas à vida profissional ou apenas ao reduto pessoal e familiar. Mil vezes visto, claro. Mas resulta sempre. Pelo menos quando a coisa é conduzida pela evidente inteligência de Jaoui (será um defeito: vê-se mais a inteligência do que o cinema), pelo brilhantismo dos seus diálogos e por um punhado de actores todos eles afinados pelo mesmo diapasão. Acaba tudo numa noite no campo, que é um bocado como a sequência-clímax do "É Sempre a Mesma Cantiga" de Resnais. Mas sem as medusas.

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