O mundo em suspenso

A 16 de Outubro de 1962, um avião do exército norte-americano sobrevoa Cuba e as fotografias que tira dão conta da instalação de mísseis em território cubano. Apesar das garantias em contrário, a URSS acaba por transportar para a ilha de Fidel Castro armamento ofensivo: mísseis de médio alcance, capazes de obliterar todo o sudeste dos EUA e, no curto espaço de cinco minutos, pôr fim à vida de 80 milhões de pessoas.

São esses os dados que o Presidente dos EUA, John F. Kennedy (Bruce Greenwood), transmite ao seu Conselheiro Especial, Kenneth O'Donnell (Kevin Costner), numa manhã de terça-feira em que tem início o episódio mais "quente" de um confronto "invisível" entre duas superpotências, a Guerra Fria. Para os EUA, a decisão dos soviéticos significa uma mudança para uma política ofensiva, algo que terá de implicar uma resposta célere (em menos de duas semanas os mísseis soviéticos estarão operacionais) e firme.

Acossado pelos conselheiros militares que, a todo o custo, defendem os ataques aéreos imediatos a Cuba, seguidos de invasão (uma opção que, com toda a certeza, levaria à III Guerra Mundial), JFK, sempre acompanhado pelos seus dois homens de confiança - O'Donnell e o irmão Bobby Kennedy (Steven Culp) -, prefere uma solução mais "mitigada". Decide-se então por um ultimato à URSS, apoiado pelo bloqueio naval ao território cubano. Mas, com o tempo a escassear, os soviéticos não dão mostras de querer dar parte de fracos...

Pelo que ficou dito, não será difícil adivinhar que na base de "Treze Dias" (2000) está a crise dos mísseis de Cuba. Que é o mesmo que dizer os treze dias (de 16 a 28 de Outubro de 1962) em que os EUA e a URSS se digladiaram num conflito férreo de vontades, uma espécie de "jogo do sisudo" em que nenhum queria ser o primeiro a rir, e o mundo esperou, aterrorizado e em suspenso, pelo holocausto nuclear. À frente desta recriação ficcional está Roger Donaldson, um experiente artesão australiano que em Hollywood tem sido "pau para toda a obra": do drama ("Marie", 1985) à comédia ("Cadillac Man", 1990), passando pela ficção científica ("Espécie Mortal", 1995) e pelo filme-catástrofe ("O Cume de Dante", 1997).

Nos bastidores de um país

De qualquer forma, foi no campo do "thriller" que o realizador se especializou, como o comprovam "Areias Escaldantes" (1992), "Escape" (1994) ou "O Recruta" (2003). E, em particular, "Alta Traição" (1987), talvez a sua melhor obra, na qual se cruzou com uma estrela em ascensão, Kevin Costner. O resultado saldou-se por um emocionante exercício de "suspense", no qual, surpresa das surpresas, se descobria que Costner, o "all american boy", era afinal um espião russo... Cineasta e actor formaram uma dupla de sucesso e, 13 anos depois, reencontraram-se. De novo sob a égide do "thriller" político, mas desta vez já não com os conformistas anos 80 e a América do republicano Reagan como cenário, mas antes a conturbada década de 60 e os EUA do democrata Kennedy (também ele um símbolo do "americanismo" e o mais perto que a Casa Branca esteve do "glamour" de Hollywood).

E, ao contrário do que acontecia em "Alta Traição", os níveis de "suspense" que "Treze Dias" consegue atingir não dependem de ferramentas mais tradicionais, como assassinatos misteriosos ou conspirações labirínticas. Aqui nada é surpresa, pois, ao incidir (com algumas liberdades) sobre factos históricos, o filme tem plena consciência de que o espectador já sabe como tudo irá terminar (sim, é verdade, o mundo não acabou há quarenta anos atrás, mas foi "in extremis"...).

No entanto, apesar dessas potenciais desvantagens, a tensão é um atributo que nunca deixa de estar presente no filme de Donaldson, pois o saber fazer do realizador permite captar toda a urgência de uma situação explosiva. É isso que mais impressiona em "Treze Dias", a par do retrato dos bastidores de um país, onde se tomam ou evitam decisões desastrosas e de âmbito desmesurado, muitas das vezes apenas como mera consequência das pressões exercidas por grupos de interesse antagónicos.

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