Nem contigo, nem sem ti?

Há um problema nos filmes dos irmãos Farrelly: o gel do cabelo de Cameron Diaz em "Doidos por Mary". Esse problema também é nosso: desde esse filme, andamos sempre à procura de uma patifaria do género, e o resultado é que enquanto procuramos a fasquia mais alta de transgressão nos distraímos do resto. Para resumir: os filmes dos irmãos Farrely condenam-nos a uma decepção crónica, porque não há patifaria que satisfaça.

Por exemplo, em "Agarrado a Ti", projecto antigo destes irmãos realizadores, que é a história de dois irmãos siameses (Bob/Matt Damon e Walt/Greg Kinnear - a dupla de actores escolhida depois de uma série de combinações ter alimentado a imaginação de produtores e realizadores ao longo de anos), estamos sempre à espera que o filme responda (mostre) a uma série de interrogações naturais, do género: e quando eles vão à casa de banho como e que é (é um filme de Peter e Bobby Farrelly, pensamos, logo é uma pergunta natural)? E quando eles querem fazer sexo?

"Agarrado a Ti" responde a algumas delas, mas... É injusta esta expectativa, e para os Farrelly deve ser mesmo como viver com um irmão siamês - os movimentos estão presos. É injusto porque para lá de uma celebração mais ou menos eufórica do disparate ou do mau gosto (algo inocente, como as patifarias da adolescência), o cinema destes irmãos é um retrato da América das pessoas pequenas, dos perdedores - às vezes é um retrato da depressão (o que havia por baixo do gel do cabelo em "Doidos por Mary" senão um desfile, masoquista, de frustrações?) -, onde os corações se batem, num território em perda de mitologia, por sentimentos como antigamente nos filmes da Hollywood clássica. Os Farrelly devem sentir que deles se espera, no entanto, uma determinada iconografia, e por isso vivem sentimentos de ambivalência: continuar a alimentar ou cortar com essa expectativa? E Bob e Walter: continuam juntos ou separam-se?

Bob e Walter vivem juntos há 32 anos, e apesar de serem "diferentes", Martha's Vineyard aceita-os como figuras da comunidade. Até porque provaram que quatro mãos são melhores do que duas - por exemplo a despachar hamburgers no restaurante de "fast food". Mas um dia Walter (o mais envelhecido, porque 90 por cento do fígado comum está no lado de Bob) decide ir atrás do sonho: ser actor. E lá partem os dois (e lá parte um, o outro vai por arrasto, sacrifica-se) para Hollywood, onde encontram um agente (Seymour Cassel) que os mete no porno, onde encontram Cher (Cher a fazer uma caricatura de Cher, com meninos na cama e tudo) que o(s) mete numa "sitcom" que é um sucesso e onde encontram Meryl Streep, que acaba com eles num musical, "Bonnie & Clyde".

Antes disso, Bob e Walter fazem a pergunta decisiva: separamo-nos? A reposta é ambígua. Separaram-se mesmo? E Peter e Bob Farrelly querem assumir a outra face? O delírio hollywoodiano, episódico, não tem grande graça (Cher a fazer de Cher revela sobretudo lata da actriz/cantora), mas o mundo dos irmãos em Martha's Vineyard é de um realismo agridoce, introspectivo, que estimulam mais. O que é que este compromisso quer dizer: nem contigo e nem sem ti?

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