Para acabar de vez com o western

O "western" morreu, mas parece persistir nas ambições de Hollywood (isto é dito assim, mas também poderia dizer-se que o "western" morreu porque persiste nas ambições de Hollywood).

Ainda recentemente, houve "Open Range - A Céu Aberto", de Kevin Costner, "western" decente, por assim dizer, mas evidenciando o fracasso como tentativa de reactivação de um género e o desconforto, ou a distância, com que Costner se movia nele. Para o golpe fatal, chega agora "As Desaparecidas", de um dos tarefeiros sem talento de Hollywood, Ron Howard, em exercício de auto-humilhação após (o já humilhante q.b.) "Uma Mente Brilhante", que lhe valeu o Óscar de melhor realizador em 2001. Nem sequer é um daqueles casos em que a abordagem se fica pela solenidade do desejo de grande escala - Howard filma um "western" como filmaria outro género qualquer, em piloto-automático, fechando os planos sobre as personagens, sem saber o que fazer com a paisagem e sem qualquer traço de vocabulário visual.

Há uma casa isolada num território de fronteira, como havia em "A Desaparecida" (1956), e não é a única coincidência com o filme de John Ford (que estais no céu...). Adaptando um romance de Thomas Eidson, "The Last Ride", "As Desaparecidas" é a história do rapto de uma rapariga por índios e do seu resgate. Há um homem que regressa do passado com culpas por expiar, e a filha dele, Maggie (Cate Blanchett), uma curandeira, que não o quer de volta. Quando a filha adolescente desta é raptada, o pai (Tommy Lee Jones, caricatural na sua figura de meio-índio) voluntaria-se para seguir a pista dos índios e readquirir a rapariga. Mas, para o efeito de novidade, já não serão só os homens a cavalgar: Maggie parte com o pai e a filha mais nova. Uma família aventura-se em território selvagem, portanto, e é sobretudo esse o centro de "As Desaparecidas" (de resto, a família é, por excelência, o núcleo dos filmes de Howard), o restabelecimento dos valores de sangue - que era, justamente, o que Ford punha em causa, com alguma perversidade, em "A Desaparecida", com John Wayne a resgatar uma sobrinha que, com a longa duração da busca, se tornara, entretanto, índia.

Mas se por aí, o filme de Howard não arriscaria ser mais do que um produto irrelevante, o maior dos sortilégios, e o pior da sua veia populista, está na exploração, digamos, "sobrenatural" do género. "As Desaparecidas" é um "western" com "voodoo": o líder dos índios raptores é um bruxo, que lança feitiços sobre os seus opositores. Não há épico que se vislumbre, tudo o que formou o "western" e o tornou, mais do que um género, num mito da criação da América - todos os seus antagonismos, o sentido de conquista, a ambiguidade moral -, está aqui ausente, dando lugar a uma forma oca e leviana, com a caução de um género maior do cinema americano. Por falar em ambiguidade moral, há apenas uma hipótese, deixada em aberto, mas Howard prefere não ir por aí: os raptores são índios desertores do exército americano (um caso de corrupção?). Para acabar de vez com o "western"...

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