Cinema tablóide

Descontando o telefilme ("Monsanto") rodado para SIC há cerca de quatro anos, este é o primeiro filme português de Ruy Guerra. O cineasta, nascido em Moçambique em 1931, desenvolveu toda a carreira, ou pelo menos parte substancial dela, no Brasil, país de cuja cinematografia, mormente nos anos 60, chegou a ser uma referência importante. Foi o tempo de filmes como "Os Fuzis" ou "Os Cafagestes", ainda hoje lembrados como momentos assinaláveis dentro do chamado "cinema novo" brasileiro. Por esse lado, "Portugal S.A." tem uma relevância - histórica - que merece ser assinalada. Porque Ruy Guerra, mesmo que o seu nome pouco ou nada diga ao público português de cinema, não é um realizador qualquer, e seguramente é tudo menos um novato.

Encontrar-lhe - ao filme - outro tipo de relevância afigura-se uma tarefa mais complicada. Pretende-se um retrato de Portugal "sociedade anónima" que esventre os meandros do poder, lançando luz sobre as "conexões" mais ou menos ilícitas, mais ou menos incestuosas, entre o poder político e o poder económico, sem esquecer a imprensa e a própria Igreja. Há um lado "sensacionalista", como se se tratasse de uma espécie de "filme tablóide", que é de certa maneira inédito no cinema português e até é curioso, tanto mais que aparentemente o argumento colheu inspiração em acontecimentos verídicos. Nunca se chamam os bois pelos nomes, mas as personagens correspondem a modelos aos quais é fácil encontrar uma equivalência - mesmo que "abstracta" - na realidade: Diogo Infante é o assessor de um industrial português (Henrique Viana) regressado do Brasil, que se encontra em negociações com o Governo para retomar o controlo sobre um banco que lhe fora expropriado. O industrial dá a sua palavra de honra ao ministro em como não venderá o banco a um grupo espanhol, mas a personagem de Infante percebe que essa é a sua real intenção. Fica então dividido entre a lealdade ao patrão e a amizade que o liga ao ministro, posto em xeque se o negócio com os espanhóis se concretizar.

Mas "sensacionalismo" também rima com "populismo", e essa é a outra faceta inevitável de "Portugal S. A.": retrato de um país de "cafagestes", onde toda a gente dá facadas nas costas de toda a gente, onde os interesses próprios estão acima de qualquer noção de ética; há um lado "fácil" na caracterização do mundo do filme e das suas personagens, como se "Portugal S.A." existisse para confirmar a ideia de que está tudo a saque, que "eles" são todos uns aldrabões e uns patifes, e que não há volta a dar a não ser entrar no jogo. Essa simplicidade reduz a aparente pretensão de relevância "política" do filme à profundidade de um "slogan".

A um nível mais propriamente narrativo, dramático, "Portugal S.A." também não chega a funcionar bem. Avança a mata-cavalos, e se às vezes consegue dar a impressão de que é apenas um estilo "desempoeirado", na maior parte do tempo parece apenas apressado, incapaz de parar um minuto para pensar as personagens e os contextos, e dessa maneira ser capaz de passar para além do cliché. Não nos enganamos muito se dissermos que "Portugal S.A." é um filme feito mais a pensar na televisão do que no cinema. É verdade que os actores se esforçam - e alguns, como Henrique Viana, são de vez em quando capazes de encher as pálidas silhuetas que têm para defender - mas a verdade é que não têm muito onde se agarrarem.

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