Eu, adolescente...

É uma experiência intensa, é preciso estar preparado: para a abraçar ou para a recusar, não haverá terceira via. "All About Lily Chou-Chou", de Shunji Iwai, é um filme sobre as dores da adolescência (também se pode dizer que é um filme sobre um assunto que tem obcecado os japoneses: a criminalidade nas escolas, como relâmpagos de surpresa que iluminam mais do que aquilo que se passa no sistema educativo).

Mas continuando: é um daqueles casos em que até a música - a utilização dela - pode ser um pólo de atracção hipnótica ou provocar motins de exasperação. Imagine-se um contraponto, permanente ao longo de duas horas e meia, entre Debussy e pop místico-delicodoce japonesa; por aí se pode começar a imaginar este filme de Shunji Iawai, 39 anos, realizador que se fizera notar por "April Story" (1998) e "Love Letters" (1995).

É uma aventura sensorial - sonora, visual - que atira o espectador para o fundo de si próprio. Essa solidão é o melhor espaço para desencadear as actividades da memória pessoal (o casulo da adolescência), tê-la como companhia para partilhar a angústia deste filme sobre o abandono, a crueldade.

Quem é Lily Chou-Chou? É uma vedeta pop (nunca a vemos, mas podemos imaginar, por aquilo que dela dizem as personagens, que será uma Björk japonesa). É a ela que os adolescentes deste filme votam um culto desmedido, obscuro; é discutindo sobre ela e sobre os discos dela, na Net, que passam os dias, num refúgio da decepção e do niilismo que matiza o quotidiano na escola. Para além dessa vida ensimesmada, a única que sentem que vivem, atirados para o fundo de si próprios e ligados aos "sites" e fóruns dedicados à sua estrela, há intervalos de mortes, violações, crueldades e tentativas de suicídio - os adultos, claro, estão de fora.

O apelo deste filme é este: habitarmos sem reservas a "bolha" que ele cria (a acusação de autocondescendência não pode ser para aqui chamada...), como se acedêssemos a uma comunidade secreta - como os devotos de Lily Chou-Chou, como um cibernauta, como... os adolescentes que já fomos. Não é caso para menos: "All About Lily Chou-Chou" esteve quase cinco anos em "gestação", passou por ser um projecto de livro e esteve na origem de um fórum de debate na net (Shunji Iwai aproveitou ideias para o filme). Esse lado devorador de um "work in progress", que se alimenta de várias fontes, está no ecrã: a película passa a vídeo, o ecrã de cinema transforma-se em ecrã de computador, as cores rebentam de tão brilhantes ou são veladas pela obscuridade. Mas do princípio ao fim, sempre, um intensíssimo lamento.

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