Último Hurrah!

"Os Imortais", de António-Pedro Vasconcelos (APV), é um filme sobre a guerra colonial? Talvez, mas esse filme passa num ecrã em fundo - desaparece de campo, fica em "off" -, é mais um rumor, memória apenas.

Há outro ecrã mais próximo, outra hipótese de filme dentro do filme: uma história sobre a guerra que não acabou na cabeça de um grupo de homens, quatro ex-comandos, Roberto (Joaquim de Almeida), Horácio (Rogério Samora), Vítor (Rui Unas) e Joaquim (Sérgio Mano), inconformistas que, na pasmaceira lisboeta, 1985, comemoram os feitos do ex-Ultramar, rodeados de mulheres tão desesperadas quanto eles, planeando assaltos a bancos - inconformistas, mas irremediavelmente derrotados.

A ser assim, este outro filme que existe dentro de "Os Imortais" (adaptação livre do romance "Os Lobos não Usam Coleira", de Carlos Vaz Ferraz) estaria próximo de "Inferno", de Joaquim Leitão (1999). No filme de Leitão, a masculinidade em perda explodia em sangue; em "Os Imortais" ela é menos visceral, porque já é um fantasma - como imagens de um outro mundo, de uma fantasia, ou de um sonho. É aqui que entra em cena Joaquim Malarranha, inspector da polícia à beira da reforma. Malarranha (Nicolau Breyner) cruza-se com esse grupo de quatro guerreiros, mas é mais do que acaso, curiosidade ou até dever profissional que o faz fixar-se neles; é uma empatia com a tragédia (um filho morto em África, sabe-se depois), uma admiração por um heroísmo funesto (uma obsessão pelas sombras, como um viciado em filmes?).

É que Malarranha, que se aproxima de um ocaso da sua vida, é um "voyeur" - cansado, mas ainda assim "voyeur" - de heroísmos alheios. Numa Lisboa provinciana e pequeno-burguesa, um mundo que também está a acabar, Malarranha - e a sua companheira de um "affair" nunca resolvido, Filó (Paula Mora) - faz o seu próprio filme. Como se fosse a possibilidade de também ele simular um "último hurrah!". Onde cabem heróis e mulheres fatais (Madeleine/Emmanuelle Seigner) - Malarranha será uma espécie de actualização, mais cansada, da personagem de Pedro Oliveira em "O Lugar do Morto", já que ambos são, à sua maneira, obcecados por imagens de um "film noir"?

É este "filme", esta corrente subterrânea - entre a ligeireza e a gravidade; nunca se decidindo entre a reconstituição de uma banalidade ou a evocação de espectros (como o cinema de Truffaut, afinal, um dos cineastas de cabeceira de APV) -, o mais interessante que existe dentro de "Os Imortais". Que não evita ser guilhotinado pelo dispositivo de "flashbacks" que cria - há personagens episódicas que parecem ter sido sacrificadas ou então criadas pela construção do filme, que começa por dar a ideia de que é enebriamento formal mas rapidamente se transforma em automatismo. Os quatro "imortais", por exemplo, deveriam ter mantido a consistência de silhuetas - por isso soa a falso, desnecessário, o momento de redenção permitido à personagem de Joaquim de Almeida. Mas há um casal comovente - são fabulosos Nicolau Breyner e Paula Mora - num daqueles amores tristes que já não chegam à noite porque se gastou nos beijos do meio-dia.

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