Conta comigo, Alien?

Stephen King é um escritor de culto e tem tido a abundante tratamento cinematográfico, incluindo alguns verdadeiros clássicos modernos: "Carrie" (1976), de Brian de Palma, ou "Shining" (1980), de Kubrick, "Zona de Perigo" (1983), de Cronenberg, "Christine, o Carro Assassino" (1983), de Carpenter, "Conta Comigo" (1986) e "Misery - o Capítulo Final" (1990), ambos de Rob Reiner, ou mesmo "Os Condenados de Shawshank (1994), de Frank Darabont, graças ao carisma dos intérpretes, Tim Robbins e Morgan Freeman.

Recentemente, porém, os resultados têm sido menos memoráveis: "The Boogeyman" (1995) ou "Corações em Atlantis" (2001), com Anthony Hopkins em piloto automático, mais não faziam do que banalizar os terrores e as premonições do "mestre".

Por tudo isto, muito se esperaria dum projecto que reunia um romance de King e um dos autores mais interessantes revelados nos anos 80, Lawrence Kasdan, primeiro como argumentista de "A Guerra das Estrelas" e do primeiro tomo da trilogia Indiana Jones de Spielberg, depois como realizador de obras marcantes: "Noites Escaldantes" (1981), "Os Amigos de Alex" (1983) ou "French Kiss" (1995). O resultado final é catastrófico: mesmo sem julgarmos da possível menoridade do romance original, o que Kasdan faz em "O Caçador de Sonhos" lembra aqueles pratos feitos de restos de outros, uma pasta indistinta de cinema, cruzando obsessões próprias com monomanias do universo de King.

A história começa como uma espécie de "amigos de Alex" que rememoram os seus tempos de criança, num território de surda violência infantil, trilhos de comboios meio-abandonados a remeterem para "Conta Comigo". Lá está o sacrossanto "atrasado mental" com poderes mediúnicos e divinatórios, construindo um artefacto pseudo-índio, a que se dá nome do título original, "dreamcatcher", e passando o seu poder de intuir os pensamentos não explícitos aos amigos do grupo S.S.D.D. (Mesma Merda Diferente Dia, em inglês corrido)

Depois entramos no terreno do sobrenatural, no meio da natureza isolada (americanos e a sua obsessão pelo poder propiciatório das florestas...!) e chega-nos um ET maligno, com laivos de Alien e efeitos especiais a piscar o olho a "The Thing" (também há reminiscências de "Dune"), com a agravante de passarem da forma larvar ao estado de monstros, depois de incubarem nos indivíduos que destroem, ganhando vida depois de expelidos pelo ânus, em gigantesca diarreia de anilinas vermelhas. Esta vertente escatológica não melhora nada o produto final. A inacreditável cena, quase de desenho animado da Disney, dos animais que fogem, todos com manchinhas vermelhas, rima com a "instalação" da casa invadida por "pós" da mesma cor e com artísticas minhocas, depois ténias e depois monstros.

Para quem achar que estamos a caricaturar, aconselha-se ainda as cenas do duplo de Jonesy (Damian Lewis), possessão demoníaca e projecção freudiana com sotaque britânico para distinguir, e o campo de quarentena com o tresloucado militar (Morgan Freeman em incrível "caça extra-terrestres"), algures entre "Dr. Strangelove" e uma versão paródica de "Encontros Imediatos do III Grau".

O epílogo precipita e simplifica a acção, resolvendo tudo com um "suspense" minimal: "conseguirá a nossa minhoca extra-terrestre contaminar a água do depósito que serve a cidade de Boston?". Tudo é previsível, desde o ataque do oficial demente, à morte do medium "atrasadinho", fragilizado e envelhecido, passando pela irradicação do perigo vindo do espaço. Apetece dizer, parafraseando títulos amalgamados neste filme indigesto: não contem connosco para embarcar em Aliens de anedota, embora com caução de romancistas de culto.

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