Envergadura quase religiosa

É forçoso admitir que alguma(s) coisa(s) emperra(m) em "Gangs de Nova Iorque", filme que não estará exactamente à altura do sonho de Martin Scorsese.

Sobretudo por vir de quem vem, surpreende uma relativa indistinção dalguns momentos - por exemplo, nas sequências em montagem paralela, que longe de um vigor que Scorsese já exibiu noutras ocasiões se parecem limitar à aplicação de um mecanismo, um pouco como se o desejo de "épico" se cumprisse por receita. Não obstante, sente-se um coração a pulsar no interior do filme, gerador de um olhar, de envergadura quase religiosa, sobre a violência das origens e sobre o sangue onde assenta o momento fundador que é um olhar fascinante e complexo sobre um dos temas do dia, a América. Tem-se falado muito de "Gangs de Nova Iorque" como de um "gangster movie" de época, mas o filme vem é dalgures entre Griffith e o western clássico. "O que nos mantém vivos é o medo", diz o "nativo" Daniel Day-Lewis: ora aqui está um frase - e um filme - para tomar a América como entidade complexa e multiforme, em permanente construção (vide o último plano), para nos esquecermos um bocadinho da conversa daqueles que vêm em cada esquina um anti-americano.

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