Olhar as personagens olhos nos olhos

Muito se falou de Martin Scorsese a propósito de "Cidade de Deus", mas este não é um caso de "homenagem" cinéfila nem de veia "copista".

Sim, pensa-se em Scorsese - sobretudo, em "Tudo bons rapazes" - porque esta história de gangs do Rio também é contada, olhada, "de dentro". O filme baseia-se numa obra-mosaico de um ex-favelado, Paulo Lins, e a personagem principal, o narrador, é um dos "meninos do Rio", e há neste narrador, aliás, o mesmo "voyeurismo" de algumas personagens dos filmes de Scorsese - alguém que assiste sem, na realidade, se integrar; ao mesmo tempo essa aparente passividade não significa a não implicação na espiral de brutalidade e de violência que se desenrola. Mas a aposta ganha de "Cidade de Deus", realizado por um homem da publicidade, é ter conseguido, com as várias armas de artifício, olhar as personagens olhos nos olhos (ou seja, não olhá-las de cima para baixo). E, ao contar a história (30 anos) de uma favela, ser também um filme sobre a devastação do tempo nos lugares, nos corpos e na moral.

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