Doida por amor

Vicente Aranda tem, desde 1964, uma sólida carreira profissional, que culminaria já nos anos 90 com filmes de grande êxito em Espanha, como "Amantes" (1991), coroado com vários Goyas, os óscares espanhóis, ou "Libertárias" (1995).

Ao abordar-se uma película como "Joana Louca", esperar-se-ia, por isso, encontrar bons valores de produção e uma linguagem narrativa escorreita e sem problemas. A este nível, nada a dizer: excelentes guarda-roupa e reconstituição histórica; trabalho fotográfico altamente profissional; razoável direcção de actores, embora o italiano que encarna Filipe de Habsburgo, Daniele Liotti, se pavoneie mais como um modelo do que como um credível príncipe das Espanhas.

O argumento baseia-se na vida de Joana, filha dos reis católicos, neta de Isabel de Portugal, e na sua paixão obsessiva por Filipe de Habsburgo, Duque da Borgonha, e Arquiduque da Áustria. Declarada louca por razões políticas - mas não só - acaba os seus dias encarcerada, enquanto seu filho, o Imperador Carlos V, e o neto, Filipe II (I de Portugal), continuam a dinastia Habsburgo.

As questões principais surgem quando nos interrogamos sobre o interesse cinematográfico de uma revisita deste tipo ao tecido histórico do passado europeu. E chegamos à conclusão que não estamos muito longe do desejo ilustrativo das séries televisivas de valor pedagógico, feitas para acompanhar centenários ou exposições internacionais. E lembramo-nos também de pastelões como "1495" (para comemorar a chegada de Colombo às Américas) e até de (com muito maiores dificuldades técnicas e diferentes restrições ideológicas) do "Camões" ou da "Inês de Castro" de Leitão de Barros.

Claro que o filme de Aranda tem a vantagem de não ser pretensioso, nem pomposo, mas também carece de capacidade de intervenção dramática própria sobre os eventos que reconstitui, sobretudo se exceptuarmos a melhor sequência, aquela em em que a raínha interrompe a reunião magna de nobres figuras que se preparam para a declarar louca. Quase tudo o resto, se resume a um desfile de trajes de época, a uma conceito compactado de História, contada aos consumidores apressados de audiovisual.

Esta escolha é tanto mais limitada, quanto o ponto de vista de partida não é redutor: o argumento origina-se numa peça de teatro e procura complexar o conceito de loucura, a que hoje chamaríamos mais obsessão amorosa, ou, para citar os surrealistas, "amour fou". Só que nada no tratamento fílmico vai na direcção do excesso ou da trangressão: tudo está no seu lugar, muito certinho, tipo "que lindas histórias tem a nossa História para contar em audiovisual".

E chegamos ao problema de fundo: cinema e audiovisual são duas coisas diferentes. Falta ao segundo a tensão e o risco imagético do primeiro; em contrapartida, sobra-lhe gosto ilustrativo e segurança medíocre de objectivos e de meios. Sem sairmos da História espanhola, podemos dar dois exemplos: "El Cid" (1961), de Anthony Mann, era um disparate histórico, uma espécie de "western" de ambiência medieval, mas tinha a grandeza do cinema de grande risco e permanece vivo e forte, para além do "kitsch" que encena; "O Rei Pasmado" (1991) toma a anedota histórica como centro, mas cria mais do que um cenário, faz viver um teatro conceptual do mundo barroco. "Joana Louca", pelo contrário, fica preso no seu aparato televisivo, arrumadinho e caro, mas sem futuro, nem ideias de cinema.

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